Pós-incentivismo

Se políticas industriais realmente importam, ainda está por vir uma governança do desenvolvimento não desenvolvimentista

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Por Mario Schapiro
Atualização:
Smoke billows from chimneys at a petrochemical plant in an industrial area of Cubatao, 67 km (42 mi) southeast Sao Paulo December 9, 2009. REUTERS/Paulo Whitaker (BRAZIL ENVIRONMENT IMAGES OF THE DAY) Foto: Paulo Whitaker/Reuters

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Nos últimos dias, o governo federal anunciou mais um conjunto de medidas para estimular o setor industrial. Constam desse cardápio, entre outros itens, a oferta de crédito com taxas mais favoráveis pelo BNDES e a prorrogação de benefícios tributários, como os voltados para o setor exportador. O alvo das medidas é a reversão do quadro desfavorável que tem novamente assolado o segmento industrial brasileiro. Os incentivos foram bem recebidos pela indústria. A questão que se coloca, no entanto, é se serão também efetivos para o conjunto da economia. Em curtas palavras, o ponto é saber se se trata de uma política industrial ou de uma política para industriais. Há diferenças.

Políticas industriais, quando bem-sucedidas, estão assentadas em dois pressupostos complementares. O primeiro é o do que a indústria importa. Comparativamente com outros setores, como o de serviços, o industrial teria o condão de gerar mais efeitos colaterais positivos, tais como: maior desenvolvimento tecnológico, incremento da produtividade e a geração de empregos de nível médio, relevantes para encurtar a distância salarial entre as diferentes ocupações profissionais. O segundo pressuposto é o de que, embora relevante, o setor industrial está exposto a desajustes estruturais e a falhas de mercado, que podem inibir investimentos. Tais fatores reclamam a intervenção do governo, que será tanto mais exitosa quanto mais conseguir alinhar os benefícios privados, concedidos aos industriais, com a geração de ganhos públicos. Já políticas industriais menos satisfatórias apresentam um sinal trocado: favorecem a privatização dos ganhos e a socialização das perdas. Nesse ponto, os fatores institucionais desempenham um papel-chave. As políticas públicas não ocorrem no vácuo. Seu sucesso ou fracasso costuma estar associado à qualidade de seus mecanismos de governança e de controle. Com as políticas industriais não é diferente. E é justamente na dimensão institucional que parte relevante das medidas de promoção industrial tem patinado. Desde o governo Sarney as sucessivas experiências de política industrial têm sido processadas por arranjos semelhantes. No papel, o desenho institucional tem combinado comitês de base e conselhos de cúpula. Na base, caberia aos comitês, formados por empresários e governo, a formulação de propostas. Na cúpula, conselhos de governo seriam responsáveis por transformar as agendas em medidas e também por coordenar sua implementação. No mundo real, entretanto, esse arranjo não tem sido capaz de superar os problemas de coordenação existentes entre as diferentes agências de governo. Além disso, há deficiências de implementação das medidas e, principalmente, de mensuração dos impactos alcançados. Finalmente, os mecanismos de controle oscilam entre os excessos e as ausências. Por um lado, apostas necessárias, porém frustradas, realizadas por agências de fomento podem resultar em investigações e penosos processos de improbidade administrativa. Por outro, os critérios de seleção dos setores beneficiados e os objetivos das medidas adotadas costumam contar com pouca ou nenhuma justificativa pública. Nesses quesitos, guardadas as enormes diferenças, há algo que os formuladores da política industrial poderiam aprender com a política monetária. No caso desta, a governança, que é regulada em um ato normativo, conta com um regime de procedimentos e competências que favorece sua efetividade e o controle social de sua execução. Ao Conselho Monetário Nacional compete definir a meta anual de inflação. Já ao Banco Central cabe a seleção dos meios e o alcance da meta. Mais ainda: trimestralmente, o BC deve prestar contas à sociedade sobre seu desempenho e, no final do ano, se falhar, deve apresentar uma carta pública ao ministro da Fazenda justificando-se. As políticas são diferentes, não há dúvida. Mesmo assim, há lições a serem aprendidas. No campo monetário, os mecanismos de decisão e de prestação de contas foram institucionalizados. Não deve ser por acaso que a inflação mais ladre do que morda. O mesmo não parece valer para o setor industrial. No momento de mais um anúncio de incentivos, reaparecem questões que evidenciam suas lacunas institucionais: quem e por que razão concebeu esses incentivos? Qual a meta esperada com tais medidas? Quem será publicamente responsável por seu sucesso ou fracasso e a quem prestará contas? São perguntas decisivas se se quiser evitar que a política industrial se torne apenas uma política para industriais. E são perguntas cujas respostas não podem confiar apenas nos radares eleitorais. Enfim, quase 30 anos depois da reorganização democrática, há ainda uma construção institucional a se concluir: a construção de uma governança efetiva e legítima para as políticas de desenvolvimento. Se, de fato, as políticas industriais importam, ainda está por vir uma governança do desenvolvimento depois do desenvolvimentismo. *Mario Schapiro, especialista em Direito Econômico, é professor da FGV Direito SP

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