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Pouca medalha, muita lágrima

Se choro fosse modalidade esportiva, o Brasil teria ultrapassado China e EUA no ranking de medalhas

Por Sérgio Augusto
Atualização:

Sai a "pátria de chuteiras", entra a "pátria do lenço". Chorou-se tanto nos Jogos de Pequim, que a Kleenex e a Softy's deveriam pensar seriamente em investir pesado nas próximas Olimpíadas. Se o choro fosse uma modalidade esportiva, o Brasil teria ultrapassado a China e os EUA no ranking de medalhas. A rigor, só os vitoriosos e os notoriamente prejudicados (como a Fabiana Murer) deveriam debulhar-se em lágrimas. Tudo bem, César Cielo exagerou, mas os vitoriosos podem tudo: seu pranto é sobranceiro, catártico, lustral. Alguns "explicadores" do Brasil e do temperamento de sua gente, como Manoel Bomfim e Vianna Moog, já haviam percebido nossa tendência ao desânimo fácil, à lamentação, à exibição do sofrimento, mas desta vez nos superamos. Choramos em todas as circunstâncias previstas numa competição: nas classificações e desclassificações, nas vitórias e derrotas. Fizemos de Pequim 2008 um interminável lacrimatório. Ana Paula, do vôlei de praia, abriu tanto o berreiro, lembrando do filho e lastimando ser aquela sua última Olimpíada, que a parceira Larissa não se conteve: "Pára de chorar, mulher! Vai acabar derretendo!" Ana Paula afinal não derreteu, mas Jade Barbosa só não virou uma pocinha porque o piso do ginásio onde tombou de joelhos não era impermeável. Campeã absoluta do chororô, Jade já entra em cena com o semblante de quem está indo para o cadafalso: assustada, o olhar jururu, emocionalmente derrotada. "Ainda bem que acabou", desabafou a ginasta carioca quando seu calvário chegou ao fim. Uma atleta olímpica não pode falar assim, como se fosse uma donzela de M. Delly acossada por um vilão de cinema mudo. O entusiasmo e a autoconfiança podem e costumam ser úteis numa competição, a emotividade incontrolada, não. O fator emocional também prejudicou os nossos judocas, conforme admitiu, tardiamente, o coordenador técnico da equipe, Ney Wilson. Um deles, Eduardo dos Santos, chegou a pedir desculpas ao pai e à mãe, como um garoto que levou bomba depois de varar noites com a cara enfiada nos livros. Abusando do que poderíamos chamar de humildade onipotente, Diego Hypólito pediu "desculpas ao povo brasileiro" por seu fiasco no tablado do National Indoor Stadium de Pequim. Talvez tenha sido o momento mais patético do Brasil nos Jogos, pau a pau com o jogo da seleção do Dunga contra a Argentina. Ora, ora, se Hypólito pede desculpas a 183 milhões de brasileiros por não ter levado uma medalha, Michael Phelps, mutatis mutandis, poderia cogitar de assumir a presidência dos EUA, qualquer que seja o resultado das eleições de novembro. "Somos um povo muito emotivo", tentou justificar um repórter da Sportv, secundado, pouco depois, por uma propaganda da Justiça Eleitoral protagonizada por um panaca que chora até quando ouve tocar seu celular. O anúncio é idiota, mas acertou na pinta; ao contrário de outros, que erraram feio apostando tudo em Hypólito e Daiane dos Santos ou relegando o medalha de ouro César Cielo a um canto da imagem, como fez a Samsung. Acontece aos melhores anunciantes. Quem poderia prever que o ídolo chinês Liu Xiang ficaria fora da competição? Azar da Nike, da Coca-Cola e do Visa. O fato de sermos um povo muito emotivo não dá à nossa televisão o direito de apelar com tamanha insistência para a pieguice. A menos, claro, que ela tenha abdicado totalmente de qualquer obrigação educativa. Alguns lances do emocionante terceiro set da semifinal do Brasil contra a Itália, no vôlei masculino, nos foram sonegados porque a Globo e a Sportv desviaram suas transmissões para o cerimonial de premiação de Maurren Maggi, ouro em salto em distância, e lá ficaram além do suportável para que não perdêssemos mais um vale de lágrimas, mais um show de emoções familiares, e esta pérola de informação sentimentalóide: "Chora a mãe de Sofia". Sofia é a filha de colo da campeã. Os diabéticos deveriam entrar com um processo. Quando o meloso nos dava uma folga, as platitudes tomavam conta. Comentários ufanistas, típicos do que Daniel Piza chama de "transmissão estilo Pacheco" e eu prefiro chamar de "estilo Galvão Bueno", mesmo, desafinavam do excelente trabalho de vários repórteres. Para que contemporizar, passar a mão na cabeça, invocar forças superiores, alimentar vãs esperanças? Ao tratar da derrota da seleção feminina de futebol do Brasil para o time dos EUA, o Jornal Nacional aludiu a "lances geniais" das "nossas meninas", como se jogadas maravilhosas das jogadoras brasileiras tivessem sido a tônica de um jogo que, na verdade, se caracterizou pelo excesso de dribles improdutivos, chutões a esmo, passes bisonhos e fadiga física e psicológica de Marta & cia. Aliás, por que insistir no, por certo carinhoso, mas paternalístico, "meninas do Brasil"? Volta e meia alguém se referia à origem humilde e à infância difícil de alguns de nossos atletas, usando-as como desculpas para um tropeço, como se na Jamaica, no Quênia, no Zimbábue, a situação fosse diferente. A Jamaica, imbatível nas pistas de corrida, dona de 30 medalhas quando o Brasil contabilizara apenas 8, tem um PIB que equivale à metade do PIB do Maranhão. O segredo do seu sucesso, das suas cinco medalhas de ouro? Investimento maciço na formação de atletas. A maioria das escolas jamaicanas tem um programa de pista em seu currículo. A China não serve de exemplo, dada a militarização de sua educação esportiva, mas a Jamaica serve. Seu modelo é bem mais descontraído, por assim dizer, que o cubano, e muito mais acessível que o dos EUA, onde os atletas de todas as modalidades começam a ser solidamente formados nas escolas e despontam para o profissionalismo (e as Olimpíadas) nas universidades, com muita grana por trás. Uma vez mais ficou provado que, sem uma revolução no ensino e uma política conseqüente de apoio ao esporte, continuaremos aquém de nossas possibilidades fora dos gramados e das quadras de vôlei. Até o Dunga deve saber disso.

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