Psicólogo Steven Pinker fala da importância da racionalidade em novo livro

Professor de Harvard aborda dificuldade humana em aceitar aquilo que é provado pelos fatos e pela ciência

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Por João Luiz Sampaio
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Nos cursos que oferece na universidade, o psicólogo canadense Steven Pinker costumava ouvir uma mesma pergunta: o mundo está enlouquecendo? Pode parecer uma premissa simples demais, caricata até. Ou não. Teorias da conspiração, fake news, a crença em fenômenos paranormais – ou na ideia de que a Terra é plana –, a resistência a vacinas. Como a humanidade que viveu o Iluminismo e seu “ousar saber”, nas palavras de Immanuel Kant, chegou a esse ponto? A pergunta deu origem a um curso, realizado online durante a pandemia, e o curso virou livro, Racionalidade – O Que É, Por Que Parece Estar em Falta, Por Que É Importante, lançado agora no Brasil. Não se trata necessariamente de uma defesa da razão, mas de uma tentativa de compreender os processos psicológicos por trás do modo como o ser humano pensa e entende o mundo. 

O psicólogo americanoSteven Pinker Foto: Companhia das Letras

“Nessas primeiras décadas do terceiro milênio, enfrentamos ameaças letais à nossa saúde, à nossa democracia e à habitabilidade de nosso planeta. Embora os problemas sejam intimidantes, existem soluções; e nossa espécie dispõe da capacidade intelectual necessária para encontrá-las. Contudo, entre nossos problemas atuais mais graves está o de convencer as pessoas a aceitar as soluções quando de fato chegarmos a elas”, escreve o autor. Não é uma premissa difícil de aceitar. Confrontada com a pandemia do coronavírus, a humanidade foi capaz de, em menos de um ano, desenvolver vacinas capazes de proteger a população mundial. E, ainda assim, lembra Pinker, em diversas partes do mundo a recusa à vacinação é alarmante. Mas, mesmo em questões mais prosaicas, a razão parece perecer. Por que o medo de voar, se é um método de viagem comprovadamente mais seguro do que o automóvel ou o trem? E como explicar um pavor maior de ser atacado e comido por um tubarão do que de sofrer com as consequências do aquecimento global? No limite, a pergunta proposta por Pinker é: por que, entre seres racionais, há tanta dificuldade em aceitar o que os dados oferecem de maneira clara.

Universidade Harvard, em Cambridge, EUA Foto: Renata Cafardo/Estadão

Não é um tema estranho a Pinker, catedrático da Universidade Harvard. Em O Novo Iluminismo, ele defende que a sensação de piora nas condições de vida está ligada à incapacidade de se estabelecer um retrato amplo a respeito dos avanços em distintos campos, da diminuição da pobreza às descobertas científicas.O Anjo Bom da Nossa Natureza, por sua vez, dedica-se especificamente à questão da violência, percebida, segundo o autor, menos por meio de dados e mais pelo impacto que casos específicos podem gerar.  “Temos uma tendência a acreditar em um tempo passado ideal, sempre melhor do que o presente, ao qual seria bom poder retornar. Isso tem a ver com a falta de compreensão do próprio sentido da história e de seu desenvolvimento. Dizer que tudo à nossa volta está piorando é reconhecer que não houve avanços feitos no passado, que tudo no que acreditamos como verdade era mentira, que tudo o que fizemos não valeu de alguma coisa. E isso me parece errado”, diz Pinker ao Estadão.

Crianças tomam vacina contra a poliomielite, durante campanha de vacinação, em Carachi, no Paquistão. Foto: Rizwan Tabassum / AFP Foto:

A questão, sugere Pinker, parece estar então na definição de “verdade” – e em como nos relacionamos com ela, ponto central de Racionalidade. “Não ficamos menos racionais com o tempo. Ao lidar com questões de seu cotidiano – a hora de acordar, como fazer a manutenção do carro, o melhor caminho na direção ao trabalho –, as pessoas utilizam a razão. Mas, quando vamos além da experiência imediata, isso muda. Ao se deparar com questões como a origem do universo, como a mente funciona, a maioria das pessoas prefere seguir o que acha ou pensa, não porque sejam verdades, mas porque são expressões de si próprios”, afirma.  E, na busca da verdade, a rota pode ser seletiva. Em certa passagem do livro, Pinker cita Donald Trump e a relação mantida com seus apoiadores. Em suas declarações, o ex-presidente norte-americano costuma se contradizer ou mesmo confessar erros e crimes que, pouco antes, havia negado. Isso, no entanto, não diminuiu o apoio recebido de parte do eleitorado do país.

O então presidente americano, Donald Trump, em janeiro de 2021. Foto: MANDEL NGAN / AFP (arquivo)

“Interessa menos o dado concreto do que Trump diz e mais a mensagem geral que ele representa. Seu eleitor gosta daquilo que ele representa, então não se importa se ele cai em contradição quando fala”, diz.  “O que acontece é que as pessoas confundem com verdade aquilo que as representa, o modo como o lado em que estão pensa. Pessoas acreditam em diferentes religiões e não dá para todas serem verdadeiras, as crenças entram naturalmente em conflito. Mas é preciso ter em mente que há uma forma de conhecer fatos e ela está na atenção aos dados.” Assim, Pinker tenta mostrar no livro que “há uma ciência do julgamento, da tomada de decisões, uma racionalidade do ponto de vista das ciências matemáticas, sociais”. “Desde o Iluminismo, no século 18, buscamos evidências para explicar o mundo, mas essa não é uma forma natural de pensar, até porque, desde o movimento romântico, no século 19, a racionalidade foi colocada como oposição ao prazer, à emoção, o que é um erro. É necessário lembrar que existem formas de encontrar verdades. Julgamos o mundo por nossa memória, pela intensidade com que as coisas nos são mostradas na mídia, por exemplo.”  É por isso, afirma Pinker, que tememos mais o ataque do tubarão do que o aquecimento global. “E, no momento em que nos preocupamos menos com os dados e mais com uma visão subjetiva do processo histórico, se estabelece um abismo entre nós e a racionalidade.”

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