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Qual é a bússola moral de 'Game of Thrones'?

Trama pune bonzinhos e malvados igualmente, mas recompensa a flexibilidade ética

Por The Economist
Atualização:
Daenerys Targaryen (Emilia Clarke, à esq.) e Jon Snow (Kit Harington, à dir.) em cena da 7.ª temporada de 'Game of Thrones' Foto: Helen Sloan/HBO

A questão mais obviamente central de Game of Thrones é saber quais dos principais personagens conseguirão sobreviver, assumir o Trono de Ferro, unir os Sete Reinos e destruir os Caminhantes Brancos. Mas a questão mais intrigante diz respeito a um enigma secundário: Por que os vitoriosos terão triunfado? Que princípios políticos e morais norteiam os criadores da série? Qual é a bússola política e moral de Game of Thrones?

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Foi o próprio George R.R. Martin quem inicialmente levantou essas questões, eliminando um a um os personagens que os leitores eram levados a supor que seriam os heróis de As Crônicas de Gelo e Fogo, série de livros que deu origem a Game of Thrones. Cada morte continha uma lição. Ned Stark perdeu a cabeça por não fazer uso dela; honra e dignidade de nada valem se não forem acompanhadas de sabedoria, bom senso e algum tipo de raciocínio estratégico. Seu filho Robb foi apunhalado no mesmo coração que o traiu: não há lugar para sentimentos românticos numa guerra de alianças frágeis. Jon Snow quase foi morto uma vez por não perceber que a decisão certa faria surgir os inimigos errados entre seus próprios homens.

Com a série em sua penúltima temporada, os dilemas apresentados pelo enredo tornaram-se mais fatais, e as escolhas dos personagens, mais interessantes. A trajetória de cada um deles levanta indagações a respeito da alma de Game of Thrones. Arya Stark corre o risco de passar de guerreira a sociopata. Seu “animigo” Sandor Clegane, o Cão de Caça, que surge na trama como um assassino egoísta e implacável acaba se tornando um bom cidadão de Westeros, fazendo com que o espectador se pergunte por que coisas ruins acontecem a pessoas boas. O sentimento de dever e justiça de Daenerys Targaryen entra em conflito com a ideia que ela faz de si mesma como alguém que faz jus a privilégios e poder: como entender sua ânsia em queimar inimigos vivos com fogo de dragão?

Jaime Lannister, inicialmente apresentado a leitores e espectadores como um regicida incestuoso que atira uma criança do alto de uma torre, parece perturbado com a transformação de sua irmã Cersei, que de simples monstro torna-se a encarnação do mal. Por ora, ele continua do lado do que restou de sua família (exceção feita a Tyrion). Apesar de mandar pelos ares metade de sua cidade, Cersei se coloca como defensora de Westeros contra as investidas de uma louca assassina (Daenerys), sua parceira traiçoeira Olenna Tyrrell (cuja família Cersei aniquilou) e hordas de bárbaros estrangeiros. Já tentou usar fundamentalistas religiosos para consolidar sua posição e agora estabeleceu uma aliança maligna com Euron Greyjoy, uma das figuras mais desprezíveis do reino. Cersei é tremendamente impopular e parece fadada a ser derrotada no final. Mas, na vida real, as pessoas más às vezes vencem – e assim também acontece na série, como demonstra a sangrenta vitória marítima obtida por Euron no segundo episódio da atual temporada.

De fato, os malvados têm algo a ensinar aos “heróis” de Game of Thrones. Sansa Starke, que já foi a mocinha ingênua da série, agora é uma aspirante a Maquiavel, numa transformação produzida pelos maus bocados que ela sofreu nas mãos de gente como Cersei, com quem aprendeu muito. Para sua frustração, Jon continua a tomar as decisões que considera “certas”, sem levar devidamente em conta as consequências negativas que elas podem ter para seu povo, dando mostras de que não aprendeu muito com sua primeira morte. É improvável que Jon venha a morrer de novo, mas essa sua coragem para fazer escolhas impopulares resultará em sua glória ou em sua desgraça?

Por sua vez, Mindinho, com sua propensão inabalável para intrigas, acordos e perfídias parece predestinado a terminar sem amigos, alvo de hostilidade generalizada, por maior que seja a sua esperteza. Que lições Sansa pode tirar disso? Sua sabedoria estratégica, adquirida a duras penas, é admirável, mas ela se aliará ao sinistro Mindinho para combater seu meio-irmão (que, embora ela ainda não saiba, na realidade é seu primo)? Ou fará Mindinho provar de seu próprio veneno, traindo-o na hora agá? Se conseguir fazer isso, estará jogando o jogo dos tronos corretamente? Ou terá se tornado outra Cersei? Nesse caso, terá vencido ou perdido?

Se Game of Thrones não recompensa o bem só por ser o bem, tampouco premia o mal por ser o mal. Tanto o rei Joffrey, como Ramsay Bolton e Walder Frey tiveram fins horríveis. E tudo indica que os dias de Cersei estão contados. Na primeira temporada da série, ela explicou a Ned Stark: “Quem joga o jogo dos tronos, ou vence ou morre.” A ideia foi relembrada no episódio de estreia desta sétima temporada. Mas isso não implica que o mal seja o caminho correto para a vitória, ou que o caminho do bem necessariamente leve até ela.

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A lição de Game of Thrones é que, embora a bondade possa estar associada à estupidez, como acontece no caso de Ned Stark, nem sempre é assim. Afinal, bons governantes conseguem fazer menos inimigos e estabelecer alianças mais sólidas. Mas, como Sansa advertiu a Jon no primeiro episódio da temporada atual, é fundamental agir com inteligência. Isso significa que o líder tem de ser implacável e frio quando necessário, evitando se prender rigidamente a princípios ou tradições. É inegável que Game of Thrones tem uma bússola moral: a flexibilidade prevalece sobre a teimosia, assim como a perspicácia prepondera sobre a ingenuidade. Descobrir o verdadeiro norte magnético da série será a maior recompensa de seus espectadores. ./Tradução de Alexandre Hubner

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