PUBLICIDADE

Quando a imprensa é grande

Livro conta como se faz um jornal de excelência a partir das histórias de quem o fez

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Nos anos 70, Matías M. Molina, 69 anos, espanhol nascido em Madri, radicado em São Paulo, peregrinava toda semana em direção à única banca de jornal da cidade que vendia a revista The Economist, de sua particular devoção. Na revista Exame, na Folha de S.Paulo, onde foi editor de Economia, ou na Gazeta Mercantil, onde ocupou o cargo de editor-chefe e correspondente em Londres, Molina sempre foi leitor diligente do melhor jornalismo praticado no mundo. Encorajado por artigos que escreveu para o jornal Valor Econômico, atirou-se com "prazer lúdico" à tarefa de escrever Os Melhores Jornais do Mundo - Uma Visão da Imprensa Internacional, livro em que conta a história de 17 dos melhores jornais do mundo - todos situados acima da linha do Equador. O livro mistura histórias saborosas com análise inteligente e é útil não apenas para jornalistas, mas para leitores de uma maneira geral. Nesta página, Aliás publica alguns trechos do livro e uma entrevista com Molina que, animado, pretende publicar mais dois livros: um sobre os melhores jornais da América Latina e outro apenas sobre o Brasil. "Ele (Beuve Méry, editor chefe) se impôs uma disciplina: nunca aceitar um convite para jantar com pessoas que poderiam pedir algo em troca. A seus jornalistas dizia que poderiam aceitar convites do governo para almoçar, ?com a condição de cuspir no prato?. Essa política de austeridade monástica não o impediu de escolher entre os melhores jornalistas da França. (...) Seus jornalistas tinham orgulho de trabalhar para um diretor cujo lema era: ?Dizer a verdade, custe o que custar. Sobretudo se custar?. E que partia do princípio de que ?a objetividade não existe, mas a honestidade sim?. A informação tinha de ser honesta e completa. A ele é atribuída a expressão ?melhor perecer que apodrecer?. "O presidente George W. Bush recebeu durante uma hora Arthur Ochs Sulzberger Jr., publisher do New York Times, Bill Keller, o editor-executivo, e Phil Taubman, chefe da sucursal de Washington, no Salão Oval da Casa Branca, em 9 de dezembro de 2005. O motivo da convocação tinha poucos precedentes. Era possivelmente a primeira vez que um presidente da república pedia que um jornal deixasse de publicar uma informação. Bush não queria que os norte-americanos soubessem que a Agência de Segurança Nacional tinha instalado escutas clandestinas no país sem autorização da Justiça. O recado foi claro: ?Vocês terão sangue em suas mãos?. "Keller comentou com Sulzberger, depois do encontro, que não tinha ouvido nada que o fizesse mudar de opinião. No dia 15, Keller avisou a Casa Branca que a reportagem seria publicada no dia seguinte. "O Post escreveu que, antes de sair da Casa Branca, o presidente Jimmy Carter tinha grampeado os aposentos do presidente eleito Ronald Reagan, às vésperas da posse. Era mentira. Perguntado se pretendia retratar-se e pedir desculpas, (Ben)Bradlee (editor do jornal) respondeu: ?Como você quer que eu faça um pedido público de desculpas - correndo para cima e para baixo da Pennsylvania Avenue (onde fica a Casa Branca) de bunda de fora e gritando desculpe?? Deu assim munição a quem dizia que era arrogante. Seis dias depois, o Post publicava um editorial dizendo que o grampo era apenas um rumor. Carter não ficou satisfeito e ameaçou com um processo. Dezoito dias depois saiu uma curta retratação com pedido de desculpas. Bradlee não precisou mostrar o traseiro na rua. Carter, que não era mais presidente, divulgou um curto comunicado: ?Afortunadamente, devido ao meu antigo cargo, eu tive acesso à mídia e pude chamar a atenção para o meu problema. Muitas vítimas de falsas alegações semelhantes não têm essa oportunidade, mas sofrem igualmente de maneira severa.? Donald Graham, já publisher do jornal, escreveu ao ex-presidente pedindo desculpas. Nem Bradlee nem Katharine (Graham, dona do jornal) citam o episódio em suas memórias. "A vitrine do Wall Street Journal era a primeira página, a qual (Bernard) Kilgore (editor-chefe) deu uma atenção especial e a transformou num produto único, muito diferente da primeira página do resto dos jornais (...) The Wall Street Journal deixou de lado assuntos rotineiros e passou a publicar três longas reportagens por dia. Começavam na primeira página e continuavam no interior do jornal e não precisavam necessariamente ter a palavra ?ontem?. A maioria dos temas nada tinha a ver diretamente com economia e negócios; eram assuntos que estavam no ar, mas que não tinham chamado a atenção de ninguém: das atividades de uma profissional de strip-tease até a vida num mosteiro na Irlanda. "Em 1921, na edição que comemorava 100 anos do diário e 50 anos como editor, ele (C.P.Scott, o editor) escreveu: ?Um jornal tem dois lados. É um negócio como outro qualquer, e tem que pagar suas despesas para sobreviver. Mas é muito mais que um negócio; é uma instituição (...) Tem portanto uma existência moral e material; e seu caráter e influência são no fim determinados pelo equilíbrio dessas duas forças. Entre os dois lados tem que haver um casamento feliz e o editor e o administrador devem andar lado a lado. O primeiro, que fique bem entendido, uma ou duas polegadas na frente.? (...) "Em 1994, The Guardian escreveu que dois deputados conservadores que ocupavam cargos no governo tinham recebido dinheiro para fazer perguntas no Parlamento que favoreciam o dono da famosa loja Harrods. Um deles, Neil Hamilton, tinha se hospedado durante seis dias sem pagar no Hotel Ritz de Paris, propriedade do mesmo empresário. Os dois deputados reunciaram, mas Hamilton processou o jornal por 10 milhões de libras (18 milhões de dólares). Em 1996, ele desistiu do processo e The Guardian publicou uma de suas primeiras páginas mais famosas: uma enorme foto de Hamilton e sua mulher com a manchete: ?A liar and a cheat: official? (?Mentiroso e trapaceiro: é oficial?). "Um correspondente do Asahi Shimbun, Torao ?Tiger? Saito, discutiu asperamente com (o primeiro-ministro e general japonês Hideki) Tojo por não querer, como jornalista, usar uniforme militar, e sobreviveu. Saito teve uma trajetória curiosa. Durante a Segunda Guerra, esteve no Sudeste Asiático, onde recolheu documentos que os ingleses não tinham queimado antes de abandonarem suas bases. De volta ao Japão, ao examinar o material, encontrou manuais de serviço, revistas e cartas a partir das quais escreveu matérias para o Asahi. Os Serviços de Informação militares também mostraram interesse e, entre 1941 e 1943, Saito dedicou a maior parte de seu tempo a analisar informações, entrevistar prisioneiros de guerra e escrever informes para o Exército e a Marinha. Depois do conflito tornou-se amigo do escritor, jornalista e igualmente analista de informações militares Ian Fleming, o autor de James Bond, que se baseou nele para criar o personagem ?Tiger? Tanaka, chefe do Serviço Secreto japonês, no romance You Only Live Twice (Com 007 Só se Vive Duas Vezes), que foi levado ao cinema."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.