Ravensbrück: um campo de concentração exclusivo para mulheres

Livro da pesquisadora Sarah Helm conta história do lugar em que 50 mil prisioneiras foram assassinadas, incluindo Olga Benário Prestes

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Ravensbrück foi paraonde a militante comunista Olga Benário Prestes foi presa em 1939 e morta em 1942 Foto: Editora Record

A jornalista britânica Sarah Helm, em seu livro Ravensbrück, entrevistou dezenas de sobreviventes daquele campo de concentração nazista e consultou um bom volume de documentos para reconstituir o terrível cotidiano de degradação humana e morte que o caracterizou. E não era um lugar qualquer: tratava-se de um campo erguido especificamente para receber mulheres. A autora justifica seu monumental trabalho — 924 páginas muito bem escritas, repletas de informações importantes e com uma narrativa em alguns momentos eletrizante — como resgate de um tema praticamente intocado pela historiografia do nazismo. Depois de dizer que os “historiadores tradicionais” do nazismo, “em sua maioria homens”, tiveram pouco interesse por Ravensbrück, Sarah Helm deixa claro que pretende abordá-lo exclusivamente do ponto de vista feminino.

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O que poderia se tornar um enfadonho manifesto feminista, porém, revela-se um vigoroso estudo sobre a resistência feminina naquela situação limite. Destinado, entre outras, às prisioneiras políticas, Ravensbrück permitiu que essas mulheres, algumas com notável capacidade de organização e mobilização, pudessem construir ali estruturas de apoio mútuo e, eventualmente, de sabotagem contra seus algozes. Mas é preciso ter em mente que as prisioneiras não podem ser igualadas aos homens, pois, por sua própria natureza, padeceram daquele horror de forma distinta, a começar pelo fato de que algumas delas estavam grávidas ou haviam recentemente dado à luz — como aconteceu, por exemplo, com Olga Benário Prestes.

Olga, como sabe o leitor brasileiro, era uma militante alemã do Partido Comunista da União Soviética, enviada por Moscou ao Brasil em 1934 para ser guarda-costas do ex-líder tenentista Luís Carlos Prestes e ajudar a organizar um levante comunista. Olga e Prestes, que então mantinham uma relação amorosa, foram presos – quando ela soube que estava esperando uma filha. A despeito de uma campanha internacional a favor de Olga, ela foi enviada ao campo de Lichtenburg, em 1938, e depois a Ravensbrück, em 1939. Muitas outras mulheres como Olga, mais ou menos engajadas em ações clandestinas para resistir ao nazismo, foram presas, e isso acabou criando a necessidade de construir um campo apenas para elas. Foi assim que surgiu Ravensbrück, em maio de 1939. O campo também recebeu criminosas de diversos tipos, além de prostitutas, testemunhas de Jeová e, é claro, judias – que neste caso eram minoritárias, mas, como também não podia deixar de ser, eram as mais maltratadas.

Nesse universo multifacetado, as comunistas lutaram para deter o fragmento de poder que os nazistas concediam às prisioneiras. Olga, por exemplo, foi Blockova, isto é, líder de bloco, que significava fazer cumprir as ordens dos guardas da SS em setores do campo. Se por um lado isso lhe permitia aliviar a situação de suas subordinadas, por outro a obrigava a fazer o jogo dos carrascos.

Esse minúsculo poder era importante para as prisioneiras politizadas, que o conquistaram delatando as presas criminosas, colaborando com os guardas e fazendo “julgamentos” de trotskistas. A maioria dos relatos sobre Ravensbrück veio das comunistas; as criminosas e as prostitutas não foram ouvidas pelos historiadores porque não participaram da luta contra o nazi-fascismo. Sarah Helm resgata a memória dessas mulheres silenciadas, algumas das quais verdadeiras heroínas.

Nesse lugar em que 50 mil prisioneiras foram assassinadas por gás, ou em experimentos médicos insanos, ou porque trabalharam até a morte, dezenas de milhares de mulheres lutaram, à sua maneira, por um fiapo de dignidade. Por esse motivo, o título original do livro de Sarah Helm é É Isto uma Mulher?, lamentavelmente abandonado na edição brasileira. Esse título é inspirado na obra-prima de Primo Levi sobre sua experiência em Auschwitz, É Isto um Homem?, em que o autor aborda a meticulosa aniquilação da condição humana. “Meditai que isto aconteceu”, clama Levi. É o que faz Sarah Helm, que dedica seu formidável livro “às que se negaram”. 

Capa do livro 'Ravensbrück', de Sarah Helm Foto: Editora Record

Ravensbrück Autora: Sarah HelmTradução: Claudia AbelingEditora: Planeta 664 páginas R$ 99,90

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