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Reinações do guerreiro do petróleo

Monteiro Lobato apostava tanto nas jazidas brasileiras que se arruinou por elas

Por Marco Antonio Villa
Atualização:

O Brasil é auto-suficiente em petróleo. E novas descobertas não param de acontecer. O petróleo no Brasil tem uma história e um grande lutador: Monteiro Lobato. Mas parece que Lobato não passou de um aventureiro, um sonhador. Está esquecida sua luta em defesa do "ouro negro" e os desafios que teve de enfrentar. Seria recomendável que a Petrobrás fizesse a homenagem devida a esse pioneiro que sempre acreditou na existência de petróleo no Brasil e demonstrou-a. Desde seu retorno dos Estados Unidos, em 1931, iniciou verdadeira cruzada em defesa da pesquisa e exploração do petróleo. Marcou época a publicação de O Escândalo do Petróleo, em 1936. No livro, identificou no petróleo a "alma da indústria moderna; é a eficiência do poder militar; é a soberania; é a dominação". Para ele, a base do poder americano estava sobretudo no petróleo. Apontou as grandes empresas estrangeiras - que posteriormente serão chamadas de "sete irmãs" - como um dos grandes obstáculos à exploração de petróleo no Brasil. Para Lobato, não caberia ao governo brasileiro explorar petróleo. Seria tarefa da iniciativa privada. Caberia ao governo proteger o empresário nacional nessa empreitada. O governo era, para Lobato, símbolo da ineficiência: "Depois de haver demonstrado, da maneira mais absoluta, a sua inépcia em dirigir com eficiência as coisas mais elementares, como seja uma simples estrada de ferro, o governo arregaça as mangas para ?fazer economia dirigida?, isto é, transformar a complexíssima economia da nação numa vasta Central do Brasil". E arremata: os trustes sabem "que os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos -, raramente com os miolos". Encontrou entre os dirigentes do Departamento Nacional de Produção Mineral sérios adversários à sua cruzada. Usou a imprensa como instrumento de combate político. Convidou jornalistas para visitar o campo de Araquá e com satisfação mostrava o petróleo bruto: "Petróleo brasileiro. Uma gota do oceano de petróleo que dorme em nosso subsolo e que há de jorrar um dia para inundar de riqueza todo o Brasil". Para um repórter, mergulhou uma folha de papel no óleo e acendeu-a com um fósforo: "Veja a fumaceira que faz. Sinta bem este cheiro. Cheiro de petróleo! Petróleo arrancado à terra brasileira!" Através de Ronald de Carvalho, seu amigo e secretário particular de Getúlio Vargas, encaminhou ao presidente longa exposição sobre o petróleo. Sem resultados. Tinha, nessa época, boa relação com Vargas, que, inclusive, convidou-o para chefiar o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Não aceitou. No seu diário, Vargas anotou que Lobato estava "muito absorvido pelas suas sondagens em busca de petróleo". Desesperançado com o desinteresse do presidente, Lobato comentou com um amigo: "Ele prefere engordar na presidência". Começou a percorrer o Brasil fazendo conferências. Desejava obter apoio popular à causa do petróleo. Lembra Edgard Cavalheiro, seu biógrafo, que Lobato "não era chauvinista quanto ao petróleo. Aceitava a participação do capital estrangeiro". Estava convencido de que os trustes "só tinham, quanto ao nosso óleo, um único objetivo: não tirá-lo e não deixar que outros o tirassem". Com o advento do Estado Novo, Lobato ficou em situação difícil. O espaço da imprensa estava vedado. No ano seguinte foi criado o Conselho Nacional de Petróleo (CNP). O escritor ironizou: "Conselho Nacional de Petróleo? Que história é essa? Pois se não há petróleo no Brasil, como afirma o governo, para que um Conselho do que não existe?" Em cartas para o amigo Godofredo Rangel manifestou seu desalento: "Eu apodreço no petróleo; lido com ele há oito anos e nada; não consigo vencer os embaraços oficiais". Dois anos depois, também para Rangel, escreveu que estava aguardando havia 18 meses uma licença do CNP: "Inda hoje escrevi uma grande carta ao chefe do governo denunciando a patifaria. Dará resultado? Ora, essas coisas me têm aborrecido tanto que passei a estudar o problema da morte como uma aspirina que cura tudo duma vez. Morrer e ir para o Inferno, que delícia! Porque se formos para o Céu, encontraremos lá toda a turba dos sabotadores - tão influente e poderosa ela é". Apesar de traduzir, editar, escrever, Lobato passa necessidades financeiras. Como lembra Cavalheiro, aos 60 anos de idade, "verifica que nada possui. Nem sequer a casa onde reside. É um homem pobre, sem empregos ou sinecuras. Seus bens resumem-se aos livros publicados a partir de 1918". Dizia que o dinheiro que ganhava com os livros perdia nos negócios, especialmente nas companhias de petróleo que fundou. A 5 de maio de 1940 escreveu longa carta a Vargas. Atacou o CNP e pediu ao presidente que "pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias. Medite por si mesmo no que está se passando. Tenho a certeza de que se assim o fizer tudo mudará e o pobre Brasil não será crucificado mais uma vez". Dez meses depois veio a resposta: foi detido e levado para o Presídio Tiradentes. Ironizou: "Atirei no petróleo e acertei na cadeia, o que prova bem má pontaria". Processado, foi condenado: "Depois que me vi condenado a seis meses de prisão, e posto numa cadeia de assassinos e ladrões, só porque teimei em dar petróleo à minha terra, morri um bom pedaço na alma. Espero que seja esse o meu último desapontamento". Noventa dias depois foi indultado pelo presidente, graças às gestões dos amigos, especialmente Fernando Costa. O guerreiro estava estafado. Dois anos depois perdeu mais um filho, Edgard, aos 32 anos - Guilherme tinha falecido com 25 anos. Veio a redemocratização. Continuou escrevendo. Doente, brincou com seu estado: "Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final". Na antevéspera da morte, numa entrevista radiofônica, dissertou sobre o petróleo. Morreu a 4 de julho de 1948. Cinco anos depois foi criada a Petrobrás. *Marco Antonio Villa é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. Autor, entre outros livros, de Jango, um Perfil (Globo)

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