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Reusar para não acabar

Reaproveitamento de água residencial, industrial, de chuva e de esgoto pode diminuir pressão sobre os recursos hídricos

Por Weber A. Neves do Amaral
Atualização:
SP - ABASTECIMENTO/ÁGUA/SP - GERAL - Represa de Paraibuna em Redenção da Serra, no interior de São Paulo, na terça-feira (05). A represa atingiu no dia 31 de julho o pior índice de armazenamento de sua história, com volume útil de 14,92%, segundo informações disponibilizadas pela ANA (Agência Nacional de Águas). Com o volume de água em situação crítica, a agência e o ONS (Operador Nacional de Sistemas) reduziram em 20% a vazão da represa a partir desta semana. Responsável por 61% de todo o volume de água armazenado nos reservatórios da bacia do Rio Paraíba do Sul, a represa de Paraibuna tem capacidade para armazenar 2.700 bilhões de metros cúbicos. 05/08/2014 - Foto: NILTON CARDIN/PAGOS Foto: NILTON CARDIN

Daqui a algumas décadas ainda nos lembraremos de 2014 talvez como o ano da pior estiagem que o Estado de São Paulo já enfrentou. Hoje tentamos apontar culpados, soluções emergenciais e mitigadoras e alternativas tecnológicas para um problema do qual tardiamente nos demos conta de que veio para ficar, e é muito grave.

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Uma dessas soluções e alternativas para redução das pressões sobre os recursos hídricos já escassos, que contribui diretamente para o uso racional da água, vem a ser seu reúso, ou o uso de águas residuárias, ou mesmo a chamada reciclagem da água. 

No recente evento da plataforma Arq-Futuro essa semana em Piracicaba, e à beira do rio que corre agonizante entre as pedras que hoje dominam a paisagem do salto do Piracicaba, o prefeito da cidade de Araras, Nelson Dimas Bambrilla, relatou que um terço da água distribuída na cidade se destina ao uso de uma única empresa, que, assim como os moradores daquele município, deve estar muito preocupada com a sustentabilidade de seus negócios. A água, além de essencial para a vida, se tornou vital para os negócios e para a geração de empregos.

Utilizando-se um conceito mais amplo sobre reúso de água, podemos incluir dentro das práticas de reciclagem o reaproveitamento das águas provenientes de diferentes fontes: residenciais, industriais, das estações de tratamento de esgoto e também água de chuva, que é tratada pela legislação como água de esgoto, já que, quando não captada e armazenada adequadamente, é drenada para as galerias pluviais e, portanto, desperdiçada.

A água de reúso pode ser utilizada na área de energia em caldeiras, para resfriamento de equipamentos industriais, na agroindústria, em irrigação, na limpeza de ruas e calçadas, nas próprias residências e até mesmo para recarga artificial de aquíferos, dependendo de suas fontes originais, padrões de potabilidade, volume e diluição, grau de risco à saúde humana, etc.

O reúso não é nenhuma novidade na história da humanidade e tampouco na história do Brasil. Um dos marcos mais significativos, porém, foi a definição de parâmetros e políticas para o uso de água de esgotos na agricultura na Califórnia, na década de 1930.

Em 1992, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes - SP) já recomendava uma série de estratégias e alternativas associadas ao reúso. Na esfera nacional, a Agencia Nacional de Águas (ANA) tem abordado o tema e em São Paulo a Sabesp, autarquias municipais de gestão da água, tem desenvolvido projetos pilotos nessa área. 

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No segmento residencial há soluções construtivas, com técnicas plenamente desenvolvidas, para aproveitamento das águas de chuveiro em sanitários, por exemplo, e para quaisquer classes, de A a E, gerando economia para os usuários e especialmente reduzindo a utilização de água potável de qualidade nos sanitários. 

O aproveitamento da água de chuva para fins não potáveis, em residências e indústrias, deve ser cada vez mais frequente e mandatório. Extensas superfícies impermeáveis, causadas pelo crescimento das cidades, reduz a recarga dos aquíferos e concentra grandes volumes de água em insuficientes sistemas de drenagem urbana, que serão cada vez mais pressionados pelos eventos climáticos que devemos nos preparar para enfrentar nas próximas décadas. Estiagens e secas mais prolongadas, chuvas torrenciais e desastres ambientais serão cada vez mais frequentes e extremados. Acreditando ou não em mudanças climáticas globais, esses eventos vieram para ficar.

Apesar de alguns avanços no reúso da água, especialmente pelas indústrias, induzidas por marcos regulatórios, necessidade de redução do uso de recursos naturais, processos de certificação, etc., ainda estamos em estágios muito iniciais para adoção e disseminação plena dessa prática. Além disso, não temos estatísticas adequadas sobre o reúso nos diversos segmentos citados anteriormente. 

Um dos grandes desafios para aumentar a adoção da água de reúso nos diferentes mercados - residencial, comercial e industrial - é a falta de legislação específica que relacione os diferentes parâmetros da qualidade da água reutilizada a seus diferentes aproveitamentos ou finalidades potenciais. Possuímos apenas uma instrução da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR: 13969/97), que não é especifica o suficiente para tratar desse problema.

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Temos tecnologias, soluções construtivas e de engenharia já disponíveis, competência técnica, capital humano para planejarmos e implantarmos projetos e, em especial, entendemos a relevância e urgência do tema, inclusive como um dos eixos para o manejo integrado de bacias hidrográficas e uso racional da água pela sociedade.

Contudo, para que o reúso possa ganhar escala e penetração nos vários segmentos, deveria ser desenhada uma legislação específica para seu incentivo. A criação de políticas públicas que estimulem sua adoção e sinalizem compromissos de longo prazo, com práticas racionais e de eficiência do uso de um dos recursos mais essenciais à vida, deveria estar na pauta dos atuais candidatos às diversas esferas de governo que se renovam em outubro. Afinal, temos de rever os conceitos que temos da água como recurso abundante, acessível, barato e renovável. Não concordam?

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Weber A. Neves do Amaral é professor da ESALQ - USP e Mestre e Doutor pela Universidade Harvard

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