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Romance de Charmaine Wilkerson discute raízes coloniais

Livro de estreia, 'Black Cake' narra a história de uma imigrante do caribe que deixa de herança aos filhos uma receia cheia de significados

Por Keishel Williams
Atualização:

O bolo preto tem uma história complicada. A sobremesa densa, encharcada de rum e cheia de frutas é uma tradição caribenha no Natal, Páscoa e casamentos. Para as pessoas que já não vivem nas ilhas, é também uma forte lembrança de casa. Mas, como observa uma personagem conflitante do livro de estreia de Charmaine WilkersonBlack Cake, “era essencialmente um bolo de ameixas entregue aos caribenhos por colonizadores de um país frio”.

Eleanor Bennett também tem uma história complicada. Quando o romance começa, ela acabou de morrer no sul da Califórnia, deixando sua filha, Benny, e seu filho, Byron, com uma gravação de áudio cheia de segredos há muito enterrados. Os irmãos já adultos e distantes também recebem um bilhete: “B e B, tem um bolinho preto no freezer para vocês. Quero que vocês se sentem e compartilhem o bolo quando for a hora certa. Vocês saberão quando”..

A escritoraCharmaine Wilkerson, autora do livro 'Black Cake' Foto: Ballantine Books

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Antes da morte da mãe, Benny e Byron achavam que sabiam quem eram. Eram californianos, filhos de imigrantes do Caribe. Suas vidas não eram perfeitas – eles já tinham sofrido preconceitos, discriminação racial e até mesmo violência. Ainda assim, eles entendiam seu lugar na sociedade americana. Mas, quando ouvem a história da vida de Eleanor, uma jornada de descoberta desvenda suas identidades, colocando em movimento um romance sobre herança e as complicações de legados familiares multiculturais.

Wilkerson intercala uma história ambientada em 2018 com a história de Eleanor, que remonta à década de 1960 em uma ilha do Caribe (aparentemente inspirada na Jamaica). Naquela época, ela era Coventina “Covey” Lyncook, uma garota de ascendência negra e chinesa, cuja vida gira em torno da natação. Depois que sua mãe vai embora, ela é criada por seu pai chinês – viciado em jogo – e pela empregada da família, Pearl. Covey tem planos de vida que envolvem escapar de sua comunidade pobre para estudar em Londres com o namorado, Gibbs Grant. Mas tudo isso sai dos trilhos quando ela é prometida a “um agiota implacável e assassino ocasional”, Clarence “Little Man” Henry para liquidar as dívidas de jogo de seu pai. Para complicar ainda mais as coisas, Little Man é morto no dia do casamento, forçando Covey a fugir da ilha para evitar ser presa por seu assassinato. A partir daí, ela passará anos fugindo, se escondendo e mentindo até se estabelecer nos Estados Unidos com um nome falso.

Um regristro do pintor James Hakewill da ilha da Jamaica no século 16 Foto: James Hakewill/Universidade de Yale

Esses anos estão cheios de mágoas, mas Eleanor se consola com uma única constante: a receita de bolo preto que ela memorizou quando criança. “É a única coisa que me restou quando perdi minha família”, ela diz a Benny. Mas Byron se irrita com a fidelidade de Eleanor a um costume que tem raízes coloniais. “Por que reivindicar como suas as receitas dos invasores?”, ele pergunta.

Este olhar penetrante sobre uma iguaria cheia de turbulência emocional, mas enraizada na alma de uma comunidade, ecoa questões de identidade mais abrangentes. Wilkerson está questionando a própria essência da tradição que é conhecida por muitas pessoas de herança caribenha. “É caribenho mesmo?”, uma personagem pergunta sobre o bolo preto. “A cana-de-açúcar nem veio daquela parte do mundo. Chegou da África, tinha origem na Ásia. Então, me diga, de quem é o bolo?”. Também é difícil delinear a própria formação multicultural de Eleanor: como decifrar onde um fio começa e outro termina?

Pintura de Janico Mostert mostra o preparo de uma receita Foto: Artsy

Quando Eleanor morre, cabe aos filhos entender seu passado. O bolo tem um papel central para ajudar os irmãos a descobrir sua história, reexaminar suas identidades e reunir familiares cuja existência foi mantida em segredo.

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Black Cake é uma leitura deliciosa. As cenas de Wilkerson se desenrolam como vinhetas rápidas, imergindo os leitores nas mentes e ambientes das personagens. O romance nos leva para uma jornada que nos obriga a ver como encontros casuais e eventos históricos, como o comércio transatlântico de pessoas escravizadas e a migração, alteram uma família. Os efeitos se espalham por gerações, e o romance propicia uma reflexão profunda sobre como a autoidentidade de alguém pode mudar de um instante para o outro. A intenção de Wilkerson é clara: somos deixados a pensar nas coisas que herdamos de nossos ancestrais – traços físicos, conflitos mentais e emocionais, até mesmo ligações culturais, como uma receita amada que tem o poder de nos trazer para casa, mesmo que apenas em nossas mentes. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

SERVIÇO

Black Cake

Charmaine Wilkerson

Ballantine Books - 400 páginas - US $28

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