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Rosca com All Star

Inglês invadiu o campo para cobrar uma falta. A corintiana Maria Madalena, satisfações do juiz

Por Celso Unzelte
Atualização:
Xá comigo! Dunn bate de esquerda, encobre a barreira e força o goleiro a defender Foto: SUZANNE PLUNKETT/REUTERS

Sábado, 16 de agosto de 2014. Rodada de abertura da Premier League, a primeira divisão do campeonato inglês, atualmente um dos mais organizados e badalados do mundo. West Ham e Tottenham jogam no Upton Park, também chamado de Boleyn Ground, em Londres. Um estádio que, apesar de inaugurado há 110 anos, está longe de ser apenas um tradicional campinho inglês. Modernizou-se a ponto de se tornar um all seater. Ou seja: nele, todos os 35.303 espectadores assistem aos jogos sentados.

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Foi tudo tão rápido que, dessa vez, nem deu tempo para a televisão deixar de mostrar as imagens desse tipo de situação, como a Fifa fez durante as transmissões da última Copa. Deu para ver tudo. Já no segundo tempo, o meio-campista Christian Eriksen, do Tottenham, prepara-se para cobrar uma falta próxima da área do West Ham. De repente, Jordan Dunn, um torcedor magrela de 22 anos, entra em cena correndo, perseguido por um segurança - em seguida, apareceriam mais dois. 

Sem tempo para interromper a carreira em que vinha, de jeans e escorregadios All Star vermelhos, Dunn consegue fazer aquilo que muito jogador profissional não tem feito em alguns dos jogos mais sofríveis do Campeonato Brasileiro. Ele bate de rosca, de esquerda. Sua venenosa “cobrança de falta”, meio sem força, encobre a barreira e chega até o gol. Mas a bola acaba defendida com certa facilidade pelo goleiro Adrian, do West Ham. Os torcedores vão ao delírio. Aplausos para o magrela. E aplaudiriam ainda mais se soubessem que em seguida, na cobrança “oficial”, Christian Eriksen, sem metade do talento de Dunn, chutaria a bola totalmente sem direção, longe do gol adversário - mesmo usando chuteiras e calção apropriados, mesmo sem estar sendo perseguido por ninguém, mesmo sendo pago pra fazer isso. Seu time, o Tottenham, acabou ganhando por 1 a 0.

Domingo, 5 de junho de 1977. O XV de Jaú recebia o Corinthians no acanhado estádio Zezinho Magalhães, pelo segundo turno do Campeonato Paulista daquele ano, que entraria para a história justamente por ter sido conquistado pelos corintianos após uma espera de mais de duas décadas. Naquele dia, porém, deu XV: 3 a 0. 

O jogo já estava 2 a 0 para o XV de Jaú, com dois gols do ponta-direita Luiz Poiani, quando a torcida corintiana, presente na cidade em grande número, começou a forçar o alambrado. A grade cedeu e Maria Madalena Pereira da Silva, uma vistosa mulata de 19 anos, que no Carnaval desfilava como rainha de bateria da escola de samba Vai-Vai e do então bloco Gaviões da Fiel, invadiu o gramado. 

Vestindo uma blusa de bico que deixava sua barriga de fora, calça baixa, cinto e uma inusitada bota de salto alto, ela resolveu correr atrás daquele que considerava o maior culpado pela derrota do seu Timão: o juiz Romualdo Arppi Filho. Atrás dela, compondo uma fila indiana de três personagens, ia o policial militar José Luiz, que, para alcançá-la antes que ela alcançasse o árbitro, resolveu parar a mulata como fazem os bons beques de fazenda: deu-lhe uma rasteira por trás.

No sábado retrasado, o inglês Jordan Dunn acabou preso por invasão de campo. Não estava (e até hoje parece não estar) nem aí para as consequências de seu ato. Tratou de curtir ao máximo aqueles minutos de fama que um dia o artista americano Andy Warhol previu para todo cidadão do futuro. Primeiro deixou o gramado de braços abertos, quase fazendo um “peixinho”, comemorando o gol que não marcou. Depois, declararia, todo feliz: “Meus colegas agora acham que eu sou uma lenda”. Ainda sob custódia da Scotland Yard em uma delegacia de polícia no leste de Londres, ele muito provavelmente será processado e proibido de assistir aos jogos da Premier League em estádios por até dez anos, além de pagar uma multa de £ 5 mil, equivalente a algo em torno de 20 mil reais. 

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Maria Madalena, na invasão de 37 anos atrás, acabou recompensada com muito mais que os aplausos da torcida. Bastou o então técnico corintiano, Oswaldo Brandão, prometer ao guarda que assumiria “toda e qualquer responsabilidade” sobre ela para que assistisse ao resto daquele jogo sentada no banco de reservas, ao lado dos jogadores. De lá, ela viu o Corinthians sofrer, ainda, o terceiro gol, marcado por Ademir Mello após outra jogada do endiabrado Luiz Poiani. Depois daquele episódio, Madalena passou a participar de palestras organizadas pela polícia sobre agressão e invasão nos estádios. Nesses eventos, explicava aos ouvintes que sua atitude havia sido errada. E quando José Luiz, o guarda que lhe deu uma rasteira no meio do gramado, resolveu se casar, Madalena recebeu o convite para ser sua madrinha. Ela aceitou de muito bom grado.

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Celso Unzelte é jornalista, pesquisador do futebol e autor, entre outros livros,da Bíblia do Corintiano (Panda, 2010)

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