São Paulo incaptável

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Por Paula Sacchetta
Atualização:

Está aberta desde o dia 8 a exposição São Paulo, Fora de Alcance, de Mauro Restiffe, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Restiffe, a pedido da revista Zum, já havia fotografado o bairro da Luz em 2012 e foi convidado a estender seu trabalho sobre a cidade de São Paulo, realizando caminhadas por outros bairros, centrais e periféricos. O trabalho durou três meses e o fotógrafo utilizou sempre uma câmera Leica e filme preto e branco de alta sensibilidade. Na exposição, são mostradas 18 fotografias em tamanho grande, numa proposta de museografia diferente, idealizada pelo curador Thyago Nogueira: as obras não estão pregadas nas paredes, mas são impressas e penduradas individualmente pelo espaço de modo que o visitante caminhe entre elas como se estivesse caminhando pela cidade. A mostra é acompanhada ainda do lançamento de um livro com 50 imagens do projeto. 

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Restiffe nasceu em São José do Rio Pardo em 1970, formou-se em cinema pela Faap, estudou fotografia no International Center of Photography e na New York University. Já teve suas obras expostas no MAC-SP e na 27ª Bienal de São Paulo, entre outros lugares. Seu trabalho faz parte de coleções como as da Tate Modern, do MoMA de São Francisco, de Inhotim e da Pinacoteca do Estado de São Paulo. 

HARMONIZAÇÃO. Perambule pela metrópole ao som de clássicos instrumentais como Winterreise (Schubert), Piano Sonata No.29, Op.106 (Beethoven) e Trois Gymnopédies (Erik Satie).

Por que o preto e branco e por que a fotografia analógica? 

Trabalho há mais de 20 anos com fotografia, mas insisto em usar o preto e branco e câmeras analógicas. Acho que a transição do analógico para o digital mudou a fotografia e a relação com a captura da imagem. Para mim, a fotografia analógica ainda é histórica, mais real. Penso a foto como um documento. Hoje a fotografia passa por um processo de banalização: é de fácil acesso, é muita foto sempre, então a analógica acaba sendo diferente, não só pelo cuidado, mas pela escolha da captura. Não tem aquele fator imediato, que você tira a foto e vê o que está fazendo; você precisa revelar depois, então o processo é desacelerado. Eu penso o fazer, e as imagens são decantadas aos poucos. Já o PB garante certa atemporalidade às fotos.

E por que São Paulo fora de alcance?

Sempre fotografei muito São Paulo, mas por mais que você queira retratar a cidade existe sempre essa impossibilidade. É impossível abranger sua essência. A tentativa de compreender a cidade em um trabalho então é mais difícil ainda. Assim, tentei encarnar exatamente essa dificuldade como elemento da exposição. As questões colocadas não são respondidas, tentei na verdade deixar a essência em aberto e mostrei a cidade a partir do ponto de vista do pedestre, nunca de um ponto de vista privilegiado. Foi o único limite que me coloquei. Tentei cobrir várias regiões e fazer um ensaio solto, sem jamais classificar a cidade. É uma cidade em transição, então não quis fazer uma imagem plana, mas entrar em um campo de visão e apreender alguns momentos dentro dela. Retratei uma São Paulo sem eixo, não dentro de uma perspectiva ou de outra. Não quis colocar barreiras. Nas fotos temos alguns casos mais pontuais, como uma manifestação ou o incêndio no Memorial da América Latina, que localizam o espectador, mas uma das questões centrais foi exatamente sair da representação tradicional de São Paulo e usar a caminhada como procedimento artístico. 

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Suas fotos são quase anticartões-postais da cidade.

Exatamente. Quis evitar a São Paulo icônica, peguei o fácil e deixei de lado. Tinha certeza de que os lugares que visitaria renderiam “boas imagens”?. Não. E por isso fui até esses lugares. Não acredito na “boa imagem”. Eu nunca fotografaria aquela Brasília estática de Niemeyer. Mas a fotografei durante a posse do Lula, em 2003. Aquela Brasília daquele dia, sim, valeu a pena, era uma Brasília ocupada, tomada pelas marchas, pela desestabilização do espaço, e não estereotipada, limpa e linear. A visão do cartão-postal não faz parte do meu trabalho, mas muito mais a da contextualização. Essa exposição então não é sobre a cidade, mas sobre o pedestre, os percursos, tentar percorrer a cidade e a impossibilidade de percorrê-la. Em vez de usarmos as paredes da galeria, são painéis individuais onde o visitante entra e faz um percurso, como caminhando mesmo entre as fotos. Não é uma exposição plana, as imagens se apresentam à medida que o visitante se desloca no espaço. As imagens têm escala urbana, arquitetônica, e é preciso que o leitor sinta isso, entre na imagem e perceba a granulação.

E como é mostrar São Paulo no Rio de Janeiro?

São cidades em transformação, em simbiose, que se espelham e se confrontam. Eu gostei, foi um desafio.

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