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Sinta o arco-íris

Instrumento de protesto original, a ‘bomba de purpurina’ é tão inocente quanto parece?

Por Tanya Basu
Atualização:
Glitter nele. O republicano Santorum, um dos alvos dos ativistas LGBT em 2012 Foto: ERIC MILLER/REUTERS

Matthew Carpenter já estava trabalhando intensamente às 4h30 em sua casa na Austrália, registrando as encomendas que choveram no ShipYourEnemiesGlitter.com. “A casa lembra Donna Summer subindo ao palco e, 1975”, disse ao Washington Post. Os preparativos para as eleições de 2016 estão apenas começando, mas as bombas de purpurina, a mais inusitada tática de protesto de 2012, estão de volta com a vingança.

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O cintilante artefato tradicionalmente associado a fadas-madrinhas, a um filme muito ridicularizado de Mariah Carey e a vestidos de ano-novo encontrou uma segunda utilidade, mais soturna. Os glitterati divertidamente estão enviando a coisa a políticos para expressar cólera e desprezo por suas posições sobre os direitos da comunidade LGBT e o casamento gay.

ShipYourEnemiesGlitter.com, empresa sediada na Austrália, está tentando lucrar com purpurina. O lançamento do website – e sua subsequente saída do ar pelo excesso de tráfego – na terça indica que ele ainda não conseguiu enviar purpurina, mas, como disse o fundador, Matthew Carpenter, “somos um serviço de verdade e realmente enviamos purpurina a inimigos”.

A purpurina é um instrumento de protesto original. Seu brilho comporta uma inocência que levou o New York Times a qualificá-la como “uma forma mais gentil, mais benigna de ‘travessura’”. A associação da purpurina com coisas fantasiosas faz com que ela seja facilmente tomada como algo bobo, ocasional, engraçado. Uma razão pela qual as bombas de purpurina são tão eficazes é que expõem seu alvo ao ridículo. O ataque, basicamente, mostra algo importante sem efeitos colaterais graves. Mas o pó disfarça seu poder de molestar. Ele é chamado ironicamente de “herpes” pois, como a herpes genital, gruda. O que o torna perfeito nesse contexto é o simbolismo. A bomba de purpurina é imediatamente identificada como plataforma da comunidade LGBT e se torna uma declaração não tão sutil sobre o que os manifestantes desejam. 

O primeiro ataque famoso com uma bomba de purpurina ocorreu em 2011, quando Nick Espinosa, um ativista gay de 25 anos, jogou uma caixa de purpurina Cheez-it no candidato à presidência Newt Gingrich, gritando: “Sinta o arco-íris, Newt, acabe com o ódio, pare com sua política antigay. Ela divide o país e não recupera a economia”.

Pelo menos 21 ataques ocorreram depois, e os alvos foram na maioria republicanos – o ex-governador de Minnesota Tim Pawlenty, os deputados Michele Bachman, Rick Santorum, Karl Rove, também de Minnesota. Mas os liberais não foram poupados. Don Savage, colunista popular e abertamente gay, levou um banho de purpurina por seus polêmicos comentários em relação a transexuais e estupro. Ele levou na brincadeira: “como gay, adoro purpurina”.

Mas a purpurina pode ocultar um perigo real. A série de ataques levou médicos a alertarem que o pó pode afetar a córnea. “Se entrar no olho, no melhor dos casos pode irritar”, disse o dr. Stephen Glasser. “No pior, pode causar feridas. Quando a pessoa pisca, a purpurina se espalha pelo olho e pode arranhar a córnea. Se aspirada, pode atacar seu pulmão”. Mas para Lauren Dyer, diretora da Glitterex Corporation, a purpurina não é uma ameaça à saúde. “A que as crianças utilizam na escola é plástica”, disse. Indagada se o pó pode ser ingerido ou inalado sem prejudicar, respondeu: “Nossa purpurina é 100% segura. Tudo é testado”.

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O que não impediu que pessoas atacadas tenham sentido dor, levantando uma questão de caráter constitucional. O ataque com purpurina é uma forma de discurso político protegida por lei ou, como disse o ex-candidato à presidência Mike Huckabee, uma “agressão”? Gingrich e Santorum, alvos mais frequentes dos ativistas, citaram o ataque para justificar seu pedido de informações ao Serviço Secreto. Gingrich queixou-se para o Times de que “o ataque com bombas de purpurina é uma agressão e deve ser tratado como tal”. Ele está certo?

“Um ataque com bomba de purpurina não está protegido pela Primeira Emenda”, disse Erwin Chemerinsky, especialista jurídico da Irvine School of Law da Universidade da Califórnia. Segundo Chemerinsky, a purpurina não é diferente de uma torta ou qualquer outro objeto lançado contra o rosto de alguém. “Um indivíduo não pode esmurrar outro e depois dizer que estava apenas manifestando sua raiva. Ninguém tem direito de atirar cinza, tinta, purpurina ou excrementos. É uma agressão e não há nenhum direito de agredir ao abrigo da Primeira Emenda.”

É muito cedo para dizer se a purpurina se tornará uma ferramenta ainda mais popular durante a campanha eleitoral de 2016, ou se vai desaparecer como algo de pouco interesse, uma forma curiosa e espirituosa de protesto associada à disputa de 2012. Mas questões mais recentes dentro da comunidade LGBT agora estão em primeiro plano e os ativistas querem que suas vozes sejam ouvidas. Os direitos dos transexuais se tornaram um tema palpitante – graças em grande parte a fenômenos da cultura pop, como a série Orange Is the New Black and Transparent, que abocanhou um Globo de Ouro. Diante do sucesso da tática em 2012, é difícil acreditar que os ativistas não a utilizarão novamente. E com o ShipYourEnemiesGlitter.com, o recurso tornou-se global, ampliando a série de alvos potenciais de um pequeno grupo de figuras políticas americanas para todo o planeta.

Ironicamente, Carpenter, fundador do ShipYourEnemiesGlitter.com, parece vítima do próprio sucesso. Na quarta, ele postou um apelo ao público para parar de comprar o produto: “Estou farto de vendê-lo”. Talvez tenha sido tarde demais: pelas milhares de encomendas, podemos esperar uma temporada eleitoral supercintilante em 2016. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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