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Sonho gay na Califórnia

Kevin Starr - historiador, autor da série de livros América e o Sonho Californiano; o casamento pode ser legal, mas os eleitores ainda vão confirmar ou não a decisão judicial

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Aos 67 anos, Kevin Starr é especialista em história da Califórnia: escreveu nove livros sobre o Estado americano, que, essa semana, passou a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Os críticos mais conservadores afirmam que a Califórnia é o coração liberal dos Estados Unidos. Que, lá, toda moda pega. "Não é verdade", diz o professor. "A Califórnia é um microcosmo dos EUA." No litoral ficam os grandes centros urbanos, que votam à esquerda. Assim como todos os centros urbanos do país. No interior, a população rural é conservadora. E, assim como a Suprema Corte dos EUA, a maioria dos juízes do principal tribunal do Estado foi escolhida por políticos republicanos. Veja também: A estranha insistência em viver um ritual hétero A legalização do casamento gay veio da Justiça, explica o professor. Nenhum Parlamento nos EUA o legalizaria. Políticos são sensíveis à opinião popular e sete em dez americanos se declaram contra. Juízes atuam de forma técnica. Mas isso, explica ele em entrevista ao Aliás, não torna a decisão definitiva. DECISÃO TEMPORÁRIA Nos Estados em que o casamento gay foi permitido, a iniciativa veio do Poder Judiciário. Aconteceu assim em Massachusetts e agora, na Califórnia. É uma decisão da Suprema Corte do Estado que considerou inconstitucional negar a casais homossexuais um direito que os heterossexuais têm. Em novembro, os cidadãos da Califórnia votarão em uma emenda à Constituição do Estado que visa a banir o casamento gay. Ou seja, por meio do voto podem derrubar a decisão da Corte. Independentemente do resultado do plebiscito, a decisão não será definitiva. Durante alguns anos assistiremos a um vaivém. O Judiciário em outros Estados deverá passar por processos semelhantes até que, finalmente, a questão chegará à Suprema Corte dos Estados Unidos. É lá que sairá uma decisão final a respeito. PRECEDENTE Em 1963, a Califórnia aprovou a Lei de Moradia Justa, que proibia discriminação racial na venda e locação de imóveis. Os eleitores a derrubaram num plebiscito. Por fim, depois de anos, a Suprema Corte dos EUA declarou que qualquer tipo de discriminação racial era inconstitucional. Foi um processo lento, lutado Estado a Estado, até que a decisão final mudasse definitivamente a cultura do país. POPULAÇÃO É CONTRA As estatísticas dizem que sete em cada dez americanos são contra o casamento gay. É um povo conservador. Só em novembro, quando os cidadãos da Califórnia votarem para derrubar ou manter a decisão da Suprema Corte, saberemos se o Estado é mais ou menos conservador que o restante do país. Mas é preciso fazer uma distinção. Temos três Poderes independentes. O Judiciário tomou uma decisão técnica. Isso nada tem a ver com a vontade do povo, que é expressa pelo Poder Legislativo por meio do voto. É por isso que, em todo o país, nenhuma Câmara, nenhum Senado sequer cogitou legalizar o casamento gay. Também é por isso que os principais candidatos à presidência são contra. Tanto Obama quanto McCain já disseram que, embora favoráveis a uniões civis, são contra o casamento. Por que são contra? Porque sabem aquilo que todo político neste país sabe: sete em cada dez americanos são contra. INDÍCIOS Há um motivo para os analistas estarem atentos à decisão da Suprema Corte da Califórnia. É o maior Estado da nação, também o mais populoso. Os juízes foram escolhidos em sua maioria por governadores republicanos. É uma configuração muito parecida com a da Suprema Corte dos EUA. Assim, sua decisão pode antecipar a decisão final. Até lá, o maior valor dessa legalização é para os grupos engajados politicamente pró-casamento gay. Eles ganharam um argumento jurídico. MICROCOSMO DO PAÍS A Califórnia é um Estado muito grande. E as questões em sua pauta política são as mesmas que todo o país está enfrentando. No litoral do Estado, a população é tolerante a diferenças e tem uma tendência política à esquerda. Moram em grandes centros urbanos, de San Diego a San Francisco, passando por Los Angeles. No interior, é tudo diferente. É um ambiente rural, mais conservador. Em termos demográficos, a Califórnia representa um microcosmo dos Estados Unidos de hoje, com regiões urbanas mais liberais e rurais mais conservadoras. CALIFORNIZAÇÃO A Califórnia costumava ser o berço das grandes mudanças no país, e isso durou até o final dos anos 70. O Estado ainda é líder, mas não detém o monopólio das mudanças sociais porque, paradoxalmente, o restante do país foi ficando mais parecido com a Califórnia. Cidades como Phoenix, Houston, Miami ou Las Vegas seguem o modelo de Los Angeles. São cidades grandes criadas no pós-guerra por migrações maciças de americanos vindos de longe ou mesmo de estrangeiros. Todas têm essa vasta população de estrangeiros. Veja Miami, que era minúscula antes da 2ª Guerra Mundial e hoje é um centro de múltiplas nacionalidades, capital do Caribe. MUDANÇA DEMOGRÁFICA O Sudoeste americano está se definindo como hispânico e isso ainda é muito novo. São mexicanos, porto-riquenhos, cubanos. Ainda não está claro como eles se definirão politicamente. Os cubanos tendem a votar em candidatos republicanos. Os mexicanos se dividem, votam em ambos os partidos. Hoje, no sul da Califórnia, ouvimos espanhol o tempo todo. A língua já é falada até por quem não tem origem hispânica, e essa é uma mudança particularmente importante. Há uma nova cultura surgindo nos Estados Unidos. SEGUNDA, 16 DE JUNHO De papel Passado Após decisão da Suprema Corte estadual, a Califórnia começou a realizar casamentos entre homossexuais na segunda-feira. Juizados emitiram centenas de licenças de casamento, batendo o recorde do número de documentos emitidos em um só dia. CASAIS GAYS "Sete em cada dez americanos são contra esse tipo de casamento" DEMORA "Muitos Estados discutirão até que a Suprema Corte dos EUA tome uma decisão final"

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