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Sorumbáticos e macambúzios

O pensamento positivo, endêmico na sociedade americana, hoje destoa da cara fechada dos poderosos

Por Barbara Ehrenreich
Atualização:

A ganância - e seu ardiloso rebento, a especulação - são os culpados designados para a crise financeira. Mas um outro hábito mental muito admirado deveria receber a parte da culpa: o otimismo enganoso do pensamento positivo dominante, tipicamente americano. Tal como é promovida por Oprah Winfrey, legiões de pastores de megaigrejas e um fluxo interminável de best sellers de auto-ajuda, a idéia é acreditar piamente que você conseguirá aquilo que deseja, não só porque se sentirá melhor fazendo isso, mas porque " visualizar" algo - ardentemente e com concentração - faz a coisa acontecer de fato. Você conseguirá pagar aquela hipoteca com taxa variável ou, na outra ponta da transação, transformará milhares de hipotecas ruins em megalucros, bastando acreditar que pode. O pensamento positivo é endêmico na cultura americana - de programas de perda de peso a grupos de apoio a pessoas com câncer. E nas duas últimas décadas ele fincou raízes também no mundo corporativo. Todos sabem que ninguém consegue um emprego que pague mais de US$ 15 por hora se não for uma "pessoa positiva", e ninguém se torna um alto executivo fazendo advertências sobre possíveis desastres. Os tomos nas seções de negócios das livrarias de aeroporto advertem contra o "negativismo" e aconselham o leitor a ser o tempo todo "pra frente", otimista, irradiando confiança. Essa é uma mensagem que as empresas reforçaram incansavelmente - tratando seus funcionários administrativos com oradores motivacionais histéricos e eventos motivacionais do tipo revival, enquanto enviavam os figurões para locais exóticos para serem "energizados" por caras como Tony Robbins e outros gurus de sucesso. Os que não conseguissem se adaptar ao programa seriam submetidos a um "treinamento" pessoal ou despachados. O antes sóbrio setor financeiro não ficou imune. Em seus web sites, oradores motivacionais orgulhosamente listam empresas como Lehman Brothers e Merrill Lynch entre seus clientes. E o que é mais, para os mais bem colocados na hierarquia corporativa, todo esse pensamento positivo não deve ter parecido enganoso. Com a elevação da remuneração de executivos, os chefes podiam ter quase tudo que quisessem ante a simples manifestação do desejo. Ninguém estava psicologicamente preparado para os tempos difíceis quando estes chegaram porque, pelos princípios do pensamento positivo, o simples fato de pensar em problemas é uma forma de trazê-los. Os americanos não começaram como otimistas iludidos. O ethos original, ao menos dos colonos protestantes brancos e seus descendentes, era um calvinismo austero que só via a riqueza como resultado de trabalho duro e poupança - e mesmo assim, não fazia nenhuma promessa. Você podia trabalhar duro e ainda assim fracassar. E você certamente não chegaria a parte nenhuma ajustando sua atitude ou "visualizando" sonhadoramente o sucesso. Os calvinistas pensavam "negativamente", como diríamos hoje, carregando um peso de culpa e presságio que às vezes quebrava seus espíritos. Foi em resposta a essa atitude austera que o pensamento positivo surgiu - entre místicos, curandeiros e transcendentalistas - no século 19, com sua mensagem popular de que Deus, ou o universo, está realmente a seu lado e você pode de fato ter tudo que deseja, se o desejo for suficientemente focado. Quando se trata de como pensamos, "negativo" não é a única alternativa a "positivo". Como bem ilustram histórias exemplares de pessoas depressivas, um pessimismo consistente pode ser tão infundado e ilusório quanto seu oposto. A alternativa a ambos é o realismo - ver os riscos, ter a coragem de suportar más notícias e estar preparado seja para a fome seja para a abundância. Devíamos dar uma chance a ele. *Barbara Ehrenreich, autora de This Land Is their Land: Reports from a Divided Nation (Henry Holt), escreveu este artigo para The New York Times

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