Testemunha de acusação

Treze anos depois, ela relata a dor pela perda do marido e do filho num crime bárbaro

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Por Ricardo Brandt
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RIO BRANCO - A sala do tribunal do júri não é das menores: tem 14 metros por 8. Mas o teto rebaixado e as colunas aparentes passam a ideia de que nos esprememos num porão. Além de jornalistas, os familiares do acusado e das vítimas, vários curiosos e muitos estudantes de direito lotam os 40 bancos de madeira. Há policiais por toda a volta. Hildebrando continua impávido. Como de hábito, fita de cima a baixo qualquer um que se aproxima. Com Evanilda não é diferente.Beira o meio-dia em Rio Branco quando ela se senta em frente do juiz Leandro Leri Gross para falar sobre o passado que esconde desde 1996. Segunda testemunha a ser ouvida no julgamento do crime da motosserra, um dos assassinatos mais brutais da década de 90 no Brasil, Evanilda entra escoltada por policiais e por ovalados óculos escuros. Exibe pele morena, anca de mulher brasileira e cabelos encaracolados amparados por uma faixa rajada. A menos de dois metros do seu antebraço esquerdo está Hildebrando, deputado cassado em 1999, o homem acusado de ter comandado a operação criminosa de vingança familiar que resultou na morte do marido e do filho dela. Encolhida na cadeira, como se quisesse fundir-se a ela, a ex-cozinheira Evanilda se expressa com voz sôfrega. A impressão é de que a lembrança da tragédia representa um novo perigo para ela e para os dois filhos que sobreviveram. Ainda assim, os detalhes do que aconteceu entre os dias 30 de junho e 10 de julho de 1996 brotam no tribunal. Era a hora do almoço daquele último dia de junho quando o telejornal anuncia o assassinato do subtenente da PM do Acre Itamar Pascoal. A baiana Evanilda, nova na cidade, não sabia que Itamar era um dos nove irmãos do poderoso e temido coronel Hildebrando. Já naquela ocasião, antes de ser eleito deputado federal em 1998, Hildebrando estava sob investigação por liderar um grupo de extermínio dentro da polícia batizado de "esquadrão da morte", que o alçava a homem intocável pela Justiça. Ao grupo, o Ministério Público Estadual atribuiu pelo menos 50 execuções cometidas entre as décadas de 80 e 90. Muitas vítimas tinham um traço comum: a cabeça e as mãos eram arrancadas do corpo. "Essa marca cumpria duas funções", explica o procurador de Justiça Sammy Lopes, coordenador do grupo de combate ao crime organizado no Acre. "Primeiro dificultar a identificação dos corpos, impossibilitando exames de digitais e de arcada dentária; depois passar a mensagem de que aquele crime não deveria ser investigado."

 

 

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