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Testemunha ocular

Por Paula Sacchetta
Atualização:

Ricardo Chaves, mais conhecido como Kadão, é fotógrafo há mais de 40 anos. Recentemente, o Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre (7º FestFotoPOA) recebeu uma exposição com uma retrospectiva de sua carreira. Eram mais de 38 temas, além de quase 200 portraits de personalidades - de Xuxa pelada ao agora septuagenário Chico Buarque, além de Fidel Castro e Raul Seixas. Kadão é testemunha da história e, por isso, foram exibidas imagens do próprio fotógrafo durante seu trabalho: na Amazônia, no Vietnã, na Sibéria (com o bigode congelado) e no Palácio do Planalto, agachado entre as pernas dos Dragões da Independência. A ideia era mostrar ao espectador a passagem do tempo nos assuntos e no próprio autor, do jovem de 20 e poucos anos ao senhor “careca e barrigudo”, como ele mesmo se descreve, nas Olimpíadas de Sidney de 2000. Kadão passou por diversos veículos de comunicação e desde 2011, depois de duas décadas como editor de fotografia do Zero Hora, edita a coluna Almanaque Gaúcho, no mesmo jornal. Dizem que todos os dias, em sua cadeira, ainda usa o colete de fotógrafo, que acabou virando uma extensão do próprio corpo. As fotos destas páginas foram publicadas nos jornais e revistas por onde passou, além de uma série feita no Vale do Amanhecer, comunidade religiosa a 50 km de Brasília.

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Como você começou na fotografia?

Eu era aluno de uma escola técnica, estudava mecânica e adorava carros. Meu sonho não era ser piloto, até porque minha família não tinha dinheiro para isso. Queria trabalhar nos boxes das corridas. Como não conhecia mecânicos e meu pai era jornalista, acabei indo parar numa redação de jornal. Meu primeiro filme foi uma corrida de rua em Porto Alegre.

O que mudou de lá para cá?

A fotografia sofreu mudanças brutais. Hoje as fotos chegam às redações sem você precisar mandar fotógrafo pra lugar nenhum. Sinceramente, tenho pena dessa nova geração, porque eles não terão as mesmas oportunidades que tivemos. Se antes a gente viajava muito, agora qualquer foto, de qualquer lugar do mundo, chega pelas agências. Por todas as oportunidades que tive, o fotojornalismo se tornou uma paixão. Tive momentos de crise. Às vezes acreditava que o jornal era tudo que o patrão conseguia colocar entre um anúncio e outro e eu fazia parte da engrenagem. Em outros momentos, achava que estava ali pelo leitor, que trabalhava para ele - e tinha uma enorme responsabilidade por isso. Descobri que trabalho para mim mesmo. Vivi experiências incríveis, acompanhei entrevistas inimagináveis e depoimentos muito importantes, mas hoje não acho que funcione do mesmo jeito.

Alguma lição disso, ou uma boa história?

Uma foto que me emocionou muito foi de um garoto de rua que abraçou o papa depois de furar a segurança. Iris Rezende, então governador de Goiás, permitiu que o garoto chegasse ao tapete vermelho. Fiquei observando: ele abraçou o papa e foi embora. Fiquei ali, em lágrimas. E em 1979, com a anistia, tive uma das maiores lições. Em 1974, dez anos depois da ditadura ter cassado o mandato de diversos políticos, fui com um jornalista entrevistar Leonel Brizola no exílio, perto de Montevidéu. Brizola não queria falar desse término da cassação, não achava que aquilo iria soar bem, já que a ditadura continuava vigente. Acompanhamos o dia todo dele, quietos - eu fotografando, o jornalista observando. Ele não quis dar declarações. No fim do dia, nos ofereceu uma carona para Montevidéu, numa Kombi cheia de caixas de verduras. Só então resolveu dizer duas frases, para publicarmos: “Fui derrotado militarmente e não politicamente” e “eu vou voltar”. Achei que aquele velhinho estava completamente enganado, que a ditadura era feroz e ele não voltaria nunca. Pensei: “Puxa, coitado desse ‘senhor iludido’, longe da realidade dura”. Em 1979, depois da anistia, eu estava em São Borja na volta dele do exílio. Fotografei para a capa da Veja esse retorno triunfal. Aprendi que em 1974 tinha sido um garoto estúpido e que geralmente subestimamos o conhecimento dos mais velhos.

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