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Testemunha ocular do terror

Repórter se encontrava numa festa quando começou a matança em Mumbai, capital financeira da Índia

Por Rahul Singh
Atualização:

Estava participando de um casamento da comunidade parse de Mumbai , na noite de quarta-feira, em um edifício não muito distante do Hotel Taj Mahal, quando pouco antes das 22 horas os celulares desataram a tocar e tiros começaram a pipocar. As primeiras informações indicavam que aparentemente havia um atirador enlouquecido. Só mais tarde ficou patente a dimensão da operação. Evidentemente, tratava-se de um ataque terrorista cuidadosamente coordenado e planejado, realizado por profissionais, para atingir o turismo e abalar a economia indiana. Mumbai já teve ataques terroristas. Em 1993, depois da destruição da Mesquita Babri por nacionalistas hindus, no norte da Índia, e de uma onda de tumultos internos, houve uma série de explosões em toda a cidade, nas quais morreram mais de 200 pessoas. Há cerca de dois anos, bombas plantadas em trens de subúrbios da cidade mataram mais de 150. A Índia também registrou ataques terroristas em suas principais cidades - Jaipur, Ahmedabad, Bangalore, Hyderabad e Nova Délhi - que mataram outras 500. Na realidade, nos últimos anos, com exceção do Iraque e do Afeganistão, morreram mais pessoas em conseqüência de ataques terroristas na Índia, do que em qualquer outro país do mundo. Entretanto, o ataque que ocorreu na noite de quarta-feira em Mumbai, a capital financeira da Índia, não tem precedentes. Vários terroristas (o número exato continua indefinido), equipados com armamento pesado - fuzis de assalto AK-47, granadas de mão e explosivos - aproximaram-se com botes infláveis do edifício Gateway of India, uma construção da era britânica localizada perto da ponta meridional da cidade e vizinha do Hotel Taj Mahal, um dos mais famosos e um verdadeiro ícone da Índia. Funcionários do serviço de informações indiano disseram acreditar que os terroristas islâmicos chegaram em uma embarcação maior procedente de Karachi, no Paquistão, e depois tomaram botes menores, na entrada do porto de Mumbai. Um grupo até agora desconhecido, que se intitula "os mujahedin de Deccan" reivindica a autoria do ataque, embora dedos acusadores sejam apontados para a Lashkar-i-Taiba, do Paquistão, uma das maiores e mais ativas organizações islâmicas do sul da Ásia. O grupo negou a responsabilidade, informou a agência Reuters. Segundo o primeiro-ministro, Manmohan Singh, o ataque foi preparado fora da Índia. Os terroristas espalharam-se a partir do edifício Gateway. Um grupo dirigiu-se para o Café Leopold, distante cinco minutos a pé do lugar onde desembarcaram, um local muito procurado pelos turistas estrangeiros. Ali, abriram fogo indiscriminadamente, matando várias pessoas. Em seguida, foram para o Hotel Taj Mahal, entraram no saguão e começaram a atirar. Segundo um dos hóspedes que escapou, eles pediram às pessoas com passaportes britânicos e americanos que fossem para um lado, e fizeram alguns reféns. Ao todo, aparentemente visaram a dez locais no seu ataque, entre eles um hotel cinco-estrelas, o Oberoi, a principal estação ferroviária da cidade e um hospital. Até sexta-feira à noite haviam morrido mais de 150 pessoas e dezenas de hóspedes e funcionários ainda permaneciam no Oberoi, escondidos ou mantidos como reféns. Nove terroristas haviam morrido, segundo o comissário de polícia de Mumbai, A. N. Roy. Ele acrescentou que outros 14 policiais também foram assassinados, entre eles o comandante do esquadrão antiterrorismo do Estado, Heman Karkare, muitas vezes condecorado. (Um dos convidados no casamento parse era Julio Ribeiro, um dos comandantes de polícia de maior prestígio da Índia, que foi em grande parte responsável pelo combate ao terrorismo no Punjab na década de 80 e sobreviveu a duas tentativas de assassinato pelos terroristas sikhs.) Para neutralizar os terroristas foram utilizados pelo menos 300 policiais das forças especiais e 800 soldados indianos. Estes também visaram à Nariman House - onde está a sede do grupo judeu ultra-ortodoxo Chabad Lubavitch -, que fica a menos de cem metros da minha casa, no bairro de Colaba, sul da cidade. Os terroristas teriam feito pelo menos dois judeus reféns - três outros conseguiram escapar. Os atacantes aparentemente lançaram uma granada em um posto da Bharat Petroleum, embaixo do edifício, incendiando-o. Quando fui para lá, na quinta-feira de manhã, na rua havia uma moto retorcida e dois carros totalmente destruídos. Do outro lado da rua, vidros quebrados cobriam o chão. Enquanto os policiais abriam caminho muito lentamente, uma criança foi levada para fora do edifício. Os terroristas sabiam provavelmente que a Nariman House, onde moram muitas famílias judias da cidade, é um lugar popular entre os judeus israelenses e de outros países que visitam a Índia. Na noite anterior, ouvi uma explosão muito forte vinda do Hotel Taj Mahal, que fica perto de minha casa. Mais tarde, soube que a explosão ocorreu perto da cúpula do hotel, incendiando o último andar. É a primeira vez que a região sul de Mumbai, preferida pelos turistas estrangeiros e centro financeiro da cidade, se torna o alvo de um ataque tão maciço. Evidentemente, os terroristas queriam atingir a Índia onde ela mais sentirá, apavorando os investidores e os turistas. Ao mesmo tempo, muitos questionamentos estão sendo feitos aos serviços de segurança e aos militares indianos: como foi possível que os terroristas entrassem no porto de Mumbai, uma área onde está ancorado grande número de navios de guerra indianos? Por que os serviços de inteligência do país não detectaram a ameaça de uma operação que envolveu tantos terroristas e deve ter exigido meses de planejamento? Quaisquer que sejam as respostas, indubitavelmente Mumbai, e na realidade toda a nação indiana, enfrenta seu teste mais cruel. *Rahul Singh, ex-editor do Readers?s Digest e do Indian Express, escreveu este relato para The New York Times

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