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'Todos os livros que valham a pena são experimentais', diz Alejandro Zambra

Escritor chileno se apropria da linguagem do vestibular para compor crítica ácida aos sistemas educacional e político autoritários

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:
Escritor chileno Alejandro Zambra se apropria da linguagem autoritária do vestibular em 'Múltipla Escolha' Foto: Mabel Maldonado

Em 1993, o jovem chileno Alejandro Zambra prestou a Porta de Aptidão Verbal, espécie de vestibular para o ensino superior em seu país, sistema que vigorou até 2002. Como ainda vivia sob a pesada ditadura de Augusto Pinochet, Zambra (como os demais postulantes) foi obrigado participar de uma prova que indicava apenas um caminho: o do discurso ordenado, marcado por uma linguagem de acepções fixas – autoritárias, enfim. A experiência foi tão marcante que Zambra – hoje, um dos principais autores da literatura latino-americana – fez uma paródia daquelas questões, que resultou no livro Múltipla Escolha, lançado agora pela Tusquets.

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Lançado em 2015 com o título original de Facsímil (que seria uma cópia quase idêntica de um original mais antigo), o livro se apresenta no formato de um teste com questões de múltiplas escolhas. O que o torna original é a condução dessa prova de conhecimento: por meio das perguntas formuladas, o escritor trata de temas que lhe são caros, como a ditadura chilena e a problemática do sistema educacional. Não à toa que diversas questões apresentam alternativas infundadas – com isso, Zambra indica que perguntas com apenas uma resposta não passam de ilusão.

A ditadura é matéria prima constante na obra do chileno, que já teve publicado no Brasil os livros Bonsai (2006), A Vida Privada das Árvores (2007), Formas de Voltar para Casa (2011) e Meus Documentos (2013). Conflitos da juventude chilena e a ditadura Pinochet inspiram praticamente todos os volumes. Em Formas de Voltar para Casa, por exemplo, ele mostra como uma sociedade sob um regime de exceção não é formada apenas por mandantes intransigentes e revoltosos incansáveis – no meio do caminho, há sempre uma população silenciosa, que vive aquele período sem heroísmo, com medo ou indolência. Postura que avançou ao longo dos anos e que ainda existe nos dias atuais. Ou seja, ao falar do passado, Zambra aponta para feridas ainda abertas no presente. O assunto também inspirou a conversa com o Estado, realizada por e-mail.

Você já disse que não gosta de livros experimentais, mas este tem a essência de um. Como surgiu a necessidade de escrever dessa maneira? Não gosto do experimental pelo experimental, de se escrever um livro apenas porque ninguém ainda o havia escrito. Ao escrever, preciso sentir aquele desejo imperativo e absoluto que se sente quando se procura algo. Escrevo para descobrir coisas, fazer perguntas novas, seguir em frente. Por outro lado, é claro que todos os livros que valham a pena são experimentais. Um romance com narração na terceira pessoa, forma bastante tradicional, pode ser uma verdadeira e valiosa experiência. Um soneto, com sua estrutura tão conservadora, também pode ser um experimento. 

Seu livro é divertido, mas também muito triste. Você viveu algum conflito de emoções ao escrevê-lo?  Sim. Acho que, na verdade, o livro é mais triste. Fico impressionado com tanta tristeza. Agora que o leio, penso justamente nessa tristeza. Mas, de alguma forma, é também meu livro mais cômico. Preciso sempre de um pouco de humor, desse momento em que o triste vira cômico e o cômico, triste. Sei lá... Mas minha resposta é ‘sim’. Como diz (o matemático e poeta chileno) Nicanor Parra, “a verdadeira seriedade é cômica”. 

É possível dizer que você pôs em discussão o processo de escrita e o mal-estar do romancista?  Sim. Também busquei discutir a mim mesmo. É um livro muito intenso, no qual tentei chegar ao fundo desse desconcerto, desse mal-estar. De todo modo, não tenho a sensação de ter falado “da literatura”. Falei da vida, nada mais. 

Você frequentou a escola durante uma ditadura militar. Foi obrigado a aprender a suprimir frases, conviver com a censura. Esse lado lúdico do livro seria a maneira de falar de coisas sombrias?  Quando escrevia o livro, lembrei-me bem desses exercícios chamados “eliminar orações”. Tivemos de aprender a censurar! Nos ensinavam censura! É terrível!

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O teste original era apenas sobre o conhecimento ou envolvia também ideologia?  Era uma experiência de linguagem. É claro, porém, que uma experiência dessas é profunda e minuciosamente ideológica. 

Qual sua opinião sobre a diferença entre gêneros literários, sobre as fronteiras entre eles?  Nunca me importei com isso. Não leio algo porque seja romance, conto ou poesia. Isso não me interessa. Essa separação sempre foi nebulosa. Costuma-se exagerar as diferenças. Acho que os gêneros são como uma camisa que, quando nova, pode ser meio incômoda, mas, à medida que se usa, vai se adaptando ao corpo. Talvez o gênero literário de uma obra seja aquele que escolhemos. 

Capa do livro 'Múltipla Escolha', de Alejandro Zambra Foto: Tusquets

Múltipla Escolha Autor: Alejandro ZambraTradução: Miguel Del CastilloEditora: Tusquets 112 páginas R$ 31,90

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