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Um ano para se rever dopado: encarar uma retrospectiva política de 2016, só se for amarrado

O (Ode)Brechtiano espetáculo político do ano mostrou que distopia é uma palavra bonita só até você ser obrigado a viver dentro de uma

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Vocês já assistiram a Laranja Mecânica? Espero que sim. Além de ser um baita filme, a obra-prima de Stanley Kubrick nos apresenta aquele que, imagino, seja o único método possível de se encarar uma retrospectiva política de 2016: amarrado, de olhos arregalados e, quiçá, dopado.

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Não adianta se debater. Ouça o ribombar das panelas de aço inox. Elas anunciam o espetáculo (Ode)Brechtiano que virá a seguir.

Depois do terceiro panelaço, um pato amarelo gigante estaciona na boca de cena e, quebrando a quarta parede, conduz a plateia tal qual um mestre de cerimônias:

– Coxinhas de um lado; mortadelas, de outro! Periquitos verde-amarelos deem um passo pra frente; vermelhos, fiquem no mesmo lugar! Assim, separados, todos serão carimbados e enquadrados.

(Hey, você, você mesmo que me lê, pegou “fascista” ou “comunista”? Certeza que em algum momento você também entrou nesse pastiche de Guerra Fria e foi taxado de uma coisa ou de outra. Não à toa, 2016 foi o ano em que enxergaram comunismo na bandeira do Japão e intuíram a grande ameaça fascista vindo de motoristas de Uber que votaram em candidato tucano).

Mas alto lá! Vamos voltar ao espetáculo que, ainda em primeiro ato, apresenta o seu mouro, o juiz Sérgio Moro. Galã de fotonovela, do condado de Curitiba, aquele que também chamam de herói, de salvador da pátria ou de agente da CIA. Ele, o Moro, a força motriz por trás da Operação Lava Jato, não está sozinho. Ao seu lado, Dallagnol traz um PowerPoint para nos demonstrar que geometricamente todas as setas apontam para o ex-presidente Lula.

E as massas (ainda não as de pizza) vão entendendo o processo através de coberturas no Guarujá, de singelos pedalinhos e de sítios reformados. Mais complicado é a tal da condução coercitiva – que entrou para o vocabulário popular, mas foi melhor traduzida pela hashtag #lulapresoamanhã.

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Mas não aconteceu. A prisão do ex-presidente foi o não-acontecimento mais marcante de 2016.

O clímax do final do primeiro ato é o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Processo conduzido pelo então Darth Vader do baixo clero, o “dad do centrão”, o hoje deputado cassado (e preso) Eduardo Cunha. As tais pedaladas fiscais foram o mote – tal como demonstrou a icônica Dra. Janaína Paschoal em histriônica performance jurídico-metaleira (o meme do ano).

Naquela que muitos imaginaram ser a última cena de 2016, assistimos à alegria adiposa de um deputado dizendo que votaria “sim” pela pátria, pela família e por Deus...

Tchau, querida!

Fim da corrupção no Brasil (risos).

Ainda sentado na cadeira do Laranja Mecânica, somos obrigados a assistir ao segundo ato de 2016.

Michel Temer, homem forte do PMDB, agora é o nosso presidente. Com ele, a narrativa ganha velhos e novos personagens. No começo, polêmicas de papel machê, como o uso das mesóclises e a figura bela, recatada e do lar de Marcela, a primeira-dama. Depois, ministros velhos de guerra, a companheirada do PMDB, o Jucá, o Geddel, o Moreira, o Padilha, vão ganhando cada vez mais relevância. O ministério é completado por figurinhas repetidas. Nenhuma mulher, lembram?

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A cada vazamento, um ministro derrubado. Talvez a recuperação econômica trouxesse um pouco de alento. Afinal, olha o desemprego, olha...

Na mesa, os planos de reforma são remédios amargos, mas considerados necessários. Teve a PEC que congelou os gastos públicos (saúde e educação, entre eles) e a proposta de Reforma da Previdência que, até onde se sabe, vai nos transformar naqueles velhinhos do filme Cocoon.

No mesmo período, eleitores votam para prefeito. Em São Paulo, ganha o gestor João Doria; no Rio de Janeiro, ô Rio de Janeiro, vence Marcelo Crivella. Aliás, o Rio ainda nos apresenta todo um esquema de corrupção capitaneado pelo grande navegador Cabral (que lavava dinheiro investindo em joias).

Será o fim do segundo ato? Trump, Donald Trump vence as eleições nos EUA. Um bando de tresloucados invade o plenário da Câmara pedindo ‘intervenção militar’. Eles falam em Bolsonaro para presidente! No Estadão, eu li que Roberto Justus também quer ser candidato. Ah, na televisão prometeram um meteoro que não veio, infelizmente.

Chega. Fim do segundo ato. Alguém me solta dessa cadeira. Não aguento mais.

E lá vem a Lava Jato descendo a ladeira. Naquele atropelo de Japonês da Federal, de Hipster da Federal, de uma operação com mais fases do que jogo de Playstation... e de uma lista, a lista do fim do mundo, a lista com os nomes dos políticos citados nas delações (premiadíssimas) dos executivos da Odebrecht.

Antes de a lista vazar, antes de a lista encher essa peça de personagens (onde já se viu tantos personagens novos no último ato), ainda teve uma votação subterrânea, na calada de uma noite trágica e triste, uma votação que retalhou o chamado Pacote de Medidas Anticorrupção.

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Que calhada! Renan Calheiros, o presidente do Senado, ainda quer dar celeridade a esse despacho. Tanta celeridade terminou no pique-esconde que expôs o STF ao cruel bullying de fim de ano, em plena festa da firma.

Chega. Meus olhos estão ardendo. Minha cabeça vai explodir. Subam os créditos. Fechem as cortinas. Apaguem as luzes...

Mas quem são esses? Bitelo, Todo Feio, Boca Mole, Santo, Mineirinho, Campari, Botafogo, Las Vegas, Ferrari, Caranguejo, Polo, Babel...A tal da lista, a lista do fim do mundo, a lista com os apelidos dos políticos que negociaram Caixa 2 ou propina (eis a questão).

Nessa lista, o presidente Michel Temer aparece mais de 40 vezes. E o ribombar das panelas já fala em renúncia. Será? Eleição direta? Indireta? FHC diz que não quer, né? 2016 tem epílogo?

Não, chega. Meus olhos estão sangrando. Alguém me tira daqui, alguém me tira de 2016, por favor. Eu preciso de férias.

Alguém murchou o pato ou eu estou delirando? O que é pós-verdade? O que é pós-verdade? O que é...

PS: Eu achava distopia uma palavra bonita até ser obrigado a viver em uma.

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