Um outro ponto de vista

Quando pessoas e empresas estão endividadas e temerosas, o Estado deve gastar mais, não menos

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Por Clemente Ganz Lúcio , Sérgio Eduardo A. Mendonça e Suzanna Sochaczewski
Atualização:

Há muito tempo somos levados a acreditar que o destino dos países e a sorte de seus cidadãos se relacionam da seguinte maneira: se o país vai bem, as pessoas também estão bem, com exceção é claro, dos incapazes e preguiçosos. Faz parte desse ponto de vista adotar, para aferir o bom desempenho dos países, indicadores econômicos como índices de inflação, taxas de juro e de câmbio, números da dívida pública, indicadores da situação fiscal, comportamento das bolsas de valores, entre outros. Nesses tempos de pensamento único, uma boa política econômica, especialmente formulada para e por países abaixo da linha do Equador, é aquela que garante equilíbrio e/ou superávit fiscal dos Estados como parâmetro de solvência e de responsabilidade dos governos. Por isso, nessa maneira de ver e tratar as coisas, quanto menos um Estado gasta e mais espaço tem o mercado, melhor é a situação dessa economia, mais tranquilos podemos estar de que o país caminha em direção à estabilidade e ao desenvolvimento. Por outro lado, os números e índices relativos à ocupação de um modo geral e ao emprego em particular entram apenas como fator coadjuvante nesse conjunto de indicadores e influenciam secundariamente as políticas econômicas. E, no entanto, o trabalho remunerado significa para a maioria da população dos países o único acesso à possibilidade de vida. Esse modelo econômico que se tornou hegemônico a partir do final da década de 1970 e especialmente com o desmanche da Europa do Leste, tem hoje sua viabilidade e continuidade ameaçadas pela natureza e abrangência da crise que o mundo vive. Neste momento em que a crise econômica se aprofunda, praticamente todos os países têm procurado caminhos para o enfrentamento da recessão econômica, e do desastre social que ela traz consigo, por meio de medidas que recuperam os ensinamentos de Keynes. Ou seja, cabe ao Estado promover gastos e investimentos que garantam o bem-estar das pessoas ou compensem os efeitos da crise. Trata-se de procurar manter o nível da atividade econômica que, por sua vez, determina a possibilidade de emprego e da ocupação da população economicamente ativa. O Estado deve gastar mais, e não menos, neste momento em que as famílias e o setor privado da economia estão endividados e ou temerosos em gastar e investir. Também o governo brasileiro tem adotado medidas de corte keynesiano para enfrentar a crise. O investimento do Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, a política de valorização do salário mínimo, que terá um reajuste próximo a 12% em fevereiro, a desoneração tributária para alguns setores e, finalmente, com bastante atraso, a redução dos juros básicos - os países centrais iniciaram a queda de suas taxas muitos meses atrás - são medidas que buscam evitar a recessão no Brasil. Apesar da inequívoca opção da maioria dos países por uma política em direção à intervenção do Estado na economia e à necessidade da manutenção do emprego, a velha e enfadonha cartilha da responsabilidade fiscal para os países emergentes - leia-se o Estado não deve gastar demais - vem sendo lembrada exatamente por aqueles que diziam que tudo caminhava bem no "velho mundo", aquele mundo de antes do fatídico 15 de setembro de 2008, data da falência do banco americano Lehman Brothers, que precipitou talvez o maior episódio de quebra de confiança na história econômica mundial. Mas as falsas Cassandras, quem sabe de propósito, confundem o público leigo. Dizem elas que é permitido gastar mais para salvar o sistema financeiro ou renunciar, ainda que provisoriamente, a impostos para estimular a demanda de setores importantes. No entanto, argumentam que não é bom aumentar os gastos sociais, como aqueles com o Bolsa-Família ou o seguro-desemprego. Também o salário mínimo, que segundo o Dieese afeta para melhor a vida de 43 milhões de trabalhadores e beneficiários da Previdência Social no Brasil, deve ser reajustado apenas moderadamente neste momento de crise. Alguns, com desfaçatez, chegam a afirmar que é a má vontade dos trabalhadores e a rígida legislação trabalhista que impedem um ajuste rápido à crise, que em outras palavras significa queda de salários e demissões. Mas em nome de que se entoam as velhas cantigas do pensamento único, as mesmas que durante muito tempo propiciaram bem-estar para poucos abastados e (infelizmente!) mal-estar para milhões em todo o planeta? O que se pretende é um Estado solvente para manter o rentismo atávico dos que têm muito dinheiro para investir? Como justificar a manutenção desse modo de ser social depois do enorme fracasso dessa cartilha? Aqui vale um pouco de história, lembrada recentemente pelo Prêmio Nobel de economia Paul Krugman. No primeiro mandato (1933-1936) do presidente Franklin Delano Roosevelt, apoiado no New Deal , a economia americana começou a se recuperar da Grande Depressão de 1929. No início do segundo mandato (1937-1940), Roosevelt, que governou o país até 1945, começou a ceder às vozes que demandavam maior prudência no gasto público. O resultado dessa contenção foi que a economia americana entrou em recessão em 1937 e só se recuperou com o esforço econômico da 2ª Grande Guerra. Voltando a nossos dias, os que apoiaram esse receituário fracassado deveriam ter a dignidade de se recolher na hora da crise provocada pela desregulação dos mercados e pela ambição dos gênios das finanças. Santa ingenuidade, diria Robin - parceiro do Batman - para nós outros! O que está em jogo, o que se confronta neste momento são os velhos interesses dos poucos de sempre e as esperanças de todos os outros que querem mudar para valer. Chegou o momento de pensar fora do quadrado, de colocar no centro da agenda pública os interesses da maioria da população e do planeta. Mais do que isso, num mundo que se espera fundado em novos valores depois desse desastre, a lógica da rentabilidade do capital não pode se sustentar mais no modo de funcionamento do modelo que faliu. A rentabilidade das empresas deve estar subordinada à preservação dos empregos, do meio ambiente, da superação da pobreza e da desigualdade. É o que se espera depois da tempestade. * Os autores integram o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Clemente Ganz Lúcio atua como diretor técnico da instituição, Sérgio Mendonça como economista e Suzanna Sochaczewski como socióloga QUARTA, 28 DE JANEIRO Bolsa alcança mais famílias O governo aumenta o limite de renda dos potenciais beneficiários do Bolsa-Família - de R$ 120 para R$ 137 mensais. Isso pode significar a inclusão de mais 1,8 milhão de famílias. Atualmente,são atendidas pelo programa 11,1 milhões de famílias.

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