Único livro de contos de Albert Camus tem narrativa no Brasil

'O Exílio e o Reino' conta com seis histórias breves e trata de temas incontornáveis na obra do autor

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Por Júlia Corrêa
Atualização:

Se a reedição das obras de Camus é uma oportunidade para o leitor brasileiro se inteirar do conjunto de sua produção, o livro O Exílio e o Reino é uma boa porta de entrada para quem quer começar a desbravar o universo do franco-argelino. Publicada em 1957, a coletânea de seis contos foi a única incursão de Camus pela narrativa curta – e seu último trabalho de ficção. A despeito de ser uma obra de menor projeção, o livro engloba, de forma concisa, temáticas incontornáveis ao se pensar no legado literário e filosófico do autor. 

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O escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus Foto:

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A começar pelo exílio, pode-se evocar a própria condição solitária de Camus. Argelino de origem pobre, impedido de lutar na 2.ª Guerra devido à tuberculose, ele tornou-se uma voz singular na rejeição à violência política e ao terror defendidos por intelectuais europeus seus contemporâneos – os quais, recorda o historiador britânico Tony Judt, desprezaram, à época, sua “obsessão moralista” pela responsabilidade. 

Nos contos, o isolamento dos personagens se opera, de modo correspondente, em esferas existenciais, políticas e geográficas. Em A Mulher Adúltera, que abre o volume, a protagonista acompanha o marido em uma viagem ao Saara, durante a qual se sente deslocada diante de um grupo de árabes que os rodeia. Mas não só isso: na recapitulação que a solitude do trajeto lhe faz ter de episódios de sua vida, ela percebe falhas no reconhecimento de sua própria identidade, assim como em seu casamento. 

Sugerir o significado do “reino” nesta e em todas as narrativas seria entregar o jogo ao leitor. Pode-se considerar, contudo, que se traduz, frequentemente, na consciência alcançada pelos personagens, que pode desembocar em sentimentos de liberdade ou conformismo. Mas os dois termos não aparecem necessariamente em oposição. Contos como Jonas ou o Artista Trabalhando e O Hóspede mostram como podem se entrelaçar – e ser menos óbvios do que se pode deduzir. No primeiro, o protagonista tem sua vida privada corroída pelas consequências de seu sucesso como pintor, com o assédio de admiradores que não o deixam descansar. No segundo, um francês estabelecido na África (o tema colonial aparece constantemente como pano de fundo) tem sua rotina solitária alterada pela presença de um prisioneiro árabe. O personagem sente “uma cólera súbita contra esse homem, contra todos os homens e sua suja maldade, seus ódios incansáveis, sua loucura de sangue”. Parece, assim, satisfazer-se em sua reclusão – apesar de momentos de compaixão em relação ao assassino.

Tal solidariedade, sugerida em boa parte da produção de Camus diante da crise humanitária do século 20, aparece também, por exemplo, em Os Mudos, conto em que um grupo de operários recorre ao silêncio após uma greve frustrada. Em meio à fúria geral, revela-se a enfermidade da filha do patrão, situação que faz um dos funcionários sentir-se particularmente compadecido.  Outra característica que permeia os contos é como elementos climáticos, tal como o calor do sol – tão caro a obras conhecidas de Camus, como O Estrangeiro –, afetam, de sobremaneira, aspectos interiores dos personagens. O frio do deserto, que desempenha papel revelador para a protagonista da primeira história, tem também impacto nos delírios do missionário francês do conto O Renegado ou Um Espírito Confuso, personagem perdido em uma existência marcada pela conversão do protestantismo ao catolicismo.

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E é o clima tropical brasileiro que se faz presente na última narrativa da coletânea, A Pedra que Cresce, ambientada em Iguape, cidade paulista que Camus chegou a visitar em viagem ao País em 1949. Lá, ele acompanhou a tradicional festa de Bom Jesus – evento que ganha lugar especial no conto pelo olhar do protagonista, um engenheiro francês encarregado de construir uma represa na região, que se sente perturbado, na condição de estrangeiro, pela manifestação popular local. 

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