PUBLICIDADE

Vencedor do Pulitzer, Viet Thanh Nguyen lança sequência de 'O Simpatizante'

'The Committed' mostra que o escritor vietnamita-americano cria narradores confiáveis por ser um deles

Por Alexandra Alter
Atualização:

Em uma de suas mais antigas memórias, Viet Thanh Nguyen está em um barco, deixando Saigon. O ano era 1975, e ele e sua família tiveram a entrada negada no aeroporto e na embaixada americana, mas conseguiram, finalmente, embarcar em uma balsa e, depois, em um navio. Ele não consegue se lembrar de nada a respeito da fuga, a não ser de soldados atirando de outra embarcação contra refugiados que se aproximavam em um barco pequeno.

O escritor vietnamita-americano Viet Thanh Nguyen, vencedor do prêmio Pulitzer Foto: Joyce Kim/The New York Times

PUBLICIDADE

Essa é a única memória de infância que Nguyen guarda do Vietnã, e ele não tem certeza se isso aconteceu realmente ou se é fruto de algo que leu em algum livro de história. Para ele, ter testemunhado pessoalmente ou não o ataque não importa.

“Tenho uma memória na qual não posso confiar, mas toda a informação histórica aponta para o fato de que esse tipo de coisa aconteceu, se não conosco, com outras pessoas”, afirmou ele em uma entrevista por vídeo, este mês.

Reais ou imaginados, essa imagem e esse sentimento ficaram nele e deram forma ao seu novo romance, The Committed, uma sequência de sua obra de estreia, O Simpatizante, que ganhou o Prêmio Pulitzer.

Como O Simpatizante, The Committed, que a Grove Press lançará nos EUA em 2 de março, desenvolve questões de identidade individual e coletiva, a respeito de memória, de como as guerras entram na memória, de quais histórias de guerra - e de quem - são contadas e do que acontece quando ideologias políticas abstratas são colocadas em prática de maneira desastrada no mundo real. O livro é repleto de tiroteios, sequestros, sexo e drogas, relatados em uma prosa densa, que menciona textos acadêmicos obscuros e cita filósofos como Sartre, Voltaire, De Beauvoir, Fanon e Rousseau.

The Committed abre com uma cena que parece homérica, narrando a perigosa jornada de um grupo de refugiados no porão de um barco de pesca. Enquanto refugiado - e alguém que frequentemente se declara refugiado, e não imigrante - Nguyen optou por usar imagens épicas para descrever a jornada, para combater o estereótipo do refugiado miserável e fraco.

“Da perspectiva do Ocidente e das pessoas que não são refugiadas, aqueles que fogem de barco pelo mar são patéticos. São pessoas desesperadas, assustadas, objeto somente de pena. Eu quis refutar isso”, afirmou ele. “Temos de pensar neles como heróis.”

Publicidade

Em O Simpatizante, um espião comunista não identificado se disfarça de refugiado no Sul da Califórnia após a queda de Saigon. Quando uma missão de reconhecimento dá errado, ele é mandado a um campo de reeducação do Partido Comunista, onde é torturado por seu melhor amigo e antigo supervisor.

Em The Committed, o narrador - que se refere a si mesmo comoVo Danh, ou “Sem nome” - escapou de seus inquiridores comunistas. Ele vai para Paris e se junta a uma quadrilha de traficantes de drogas, o ato definitivo de rebeldia capitalista. Ele não está mais certo de quem é ou do que acredita. Sua identidade, sua missão e até mesmo sua consciência - ele às vezes se refere a si mesmo na segunda pessoa - foram arrebentadas pelo deslocamento, a desilusão e a tortura.

Para os franceses nativos que conhece, ele faz parte de “les boat-people” [nome dado a refugiados vietnamitas que tentavam fugir do país em pequenas embarcações], um rótulo que ele rejeita. “Eu não era parte dos boat-people, a não que também chamemos de boat-people os peregrinos ingleses que vieram para os EUA no Mayflower”, raciocina o narrador.

Nguyen, que tem 49 anos e leciona na Universidade do Sul da Califórnia, vive atualmente em Pasadena com a mulher, Lan Duong, e os dois filhos, Ellison, 7 anos, e Simone, 1 ano. Apesar de ter vivido na Califórnia a maior parte da vida - Nguyen tinha 4 anos quando deixou o Vietnã com a família -, ele ainda se inquieta com a sensação de que poderia ter se tornado uma pessoa muito diferente se sua família não tivesse escapado de lá.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“Essa ideia de uma vida alternativa, uma vida paralela, de universos alternativos, sempre me assombrou”, afirmou ele. “O que a nossa vida poderia ter sido assombra muitos de nós, refugiados do Vietnã, e acho que essa sensação satura minha minhas obras de ficção e não ficção.”

Depois que fugiram do Vietnã, Nguyen e a família acabaram em um campo de refugiados na Pensilvânia. Nguyen foi separado dos pais e do irmão por vários meses, e levado para viver com uma família americana. Ele se lembra de espernear quando a família que o abrigava o levou para visitar os pais e, depois, o levou embora novamente.

Alguns anos depois, a família se mudou para San Jose, Califórnia, onde os pais abriram um mercadinho ao estilo vietnamita. Em uma véspera de Natal, quando Nguyen e o irmão estavam em casa vendo Scooby-Doo, os pais foram baleados durante um roubo. Quando ele tinha 16 anos, um invasor armado tentou roubar sua casa.

Publicidade

Nguyen começou a escrever ficção no ensino médio (antes disso, sentiu um gostinho da fama literária já no 3º ano, quando escreveu um livro chamado Lester the Cat, premiado pela Biblioteca Pública de San Jose). Na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde se graduou em letras com especialização em inglês e estudos étnicos, Nguyen devorou a literatura de escritores asiáticos, americanos e negros, desenvolvendo uma afinidade particular pelo Homem Invisível, de Ralph Ellison.

Ele estudou redação com a romancista Maxine Hong Kingston e lembra de ter sido um “aluno terrível” (Kingston discorda: “Viet afirma que dormia nas minhas aulas. Mas sempre o vi de olhos abertos”, escreveu ela em um e-mail). Durante a faculdade e a pós-graduação, ele escreveu contos a respeito de refugiados vietnamitas e vítimas da guerra. No verão seguinte à conclusão de seu doutorado em língua inglesa, ele tinha histórias suficientes para uma compilação.

“Pensei: 'aqui tenho a base para um livro’”, afirmou ele. “Eu não me dava conta que levaria literalmente 20 anos até que aquele livro fosse publicado.”

Nguyen está planejando agora o terceiro livro da série, para finalizá-la, que seguirá a trajetória do narrador enquanto ele volta para os Estados Unidos para “resolver questões pendentes”. Também está trabalhando em um livro de memórias, intitulado Seek, Memory, em um aceno para Vladimir Nabokov, exumando memórias que ele reprimiu durante a maior parte de sua vida adulta. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.