Viagem ao interior

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Por Paula Sacchetta
Atualização:

O ensaio de Marcelo Greco que você vê nestas páginas, “Internal Affair” (assunto interno), não mostra as coisas como elas são. As fotos nos conduzem a uma viagem ao entorno mais íntimo do fotógrafo, expresso em retratos de sua mulher ou lambidas de seu cachorro. O artista trabalha com as imagens de forma poética, a partir dos aspectos simbólicos que os personagens ou objetos fotografados realizam dentro dele mesmo. Não há um discurso direto e claro, mas tampouco suas fotos são abstratas. O trabalho deste paulistano de 48 anos está exatamente no meio do caminho: na linha tênue da experiência visual do eu com o mundo externo. Greco, que já trabalhou na agência francesa SIPA Press, abraçou de vez a fotografia autoral. Dá aulas no Museu de Arte Moderna de São Paulo e algumas de suas imagens fazem parte da coleção da Pinacoteca do Estado. No ensaio destas duas páginas, a bandeja de peras não é apenas uma bandeja de peras. Véus e vultos de mulher nos convidam a um passeio íntimo e misterioso. 

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Por que escolheu a fotografia?

Eu comecei minha carreira na área de tecnologia, naquela lógica de trabalhar muito durante a semana para ganhar dinheiro e poder aproveitar o fim de semana e as férias. Em determinado momento, percebi que não queria mais viver assim. Queria viver fazendo o que amo. E então fui trabalhar com fotografia. Nela, o trabalho artístico sempre foi meu foco, mas tive que trilhar muitos outros caminhos para chegar nele. Passei por várias escolas e até por alguns jornais e revistas, mas fotojornalismo não é mesmo o meu negócio. Então ganhei uma bolsa do Centro Português de Fotografia e fui desenvolver esse trabalho que seria chamado de autoral. 

O que é a fotografia autoral para você?

A fotografia autoral não fala concretamente de uma situação, nem está vinculada a uma realidade posta e imposta, mas sim às experiências de vida e o que elas geram no fotógrafo, no caso, em mim mesmo. Não estou preocupado em documentar, em contar uma história factual, esse não é o meu interesse com a fotografia, mas busco construir formas estéticas que mostrem a minha visão de mundo. É mais ou menos o que o fotógrafo Alfred Stieglietz fez entre 1920 e 1930 em sua série “Equivalents”. Eram fotos de nuvens nas quais ele pretendia colocar tudo o que tinha aprendido sobre fotografia em quarenta anos, técnica e esteticamente. Ele fez aquelas fotos, de nuvens, não olhando para fora, olhando para dentro, mas ao mesmo tempo sem fazer algo pessoal. Então eram as nuvens, mas sobre as experiências dele, interiores e não sobre o que é o mundo. 

Por que batizou esse trabalho de ‘Internal Affair’?

Sempre tive duas vertentes no meu trabalho: a masculina e a feminina. Na masculina, sou mais agressivo, olho para o entorno, é um fotografia mais urbana e sobretudo de confrontação com a cidade. Na vertente feminina, sempre trabalhei com temas mais íntimos e muito pessoais representando o ninho, as mulheres e até uma certa melancolia. Comecei a desenvolver esse tipo de trabalho a partir de uma experiência de vida muito particular, pela qual minha mulher e eu passamos entre 2011 e 2012. As fotos representam um mistério acontecendo, que não sabíamos exatamente onde ia dar. Tem a água, que é símbolo de vida, a cama, representando uma história de amor, e a bandeja de peras, que não é simplesmente uma bandeja de peras, representa a fertilidade. Então, de certa forma, esse ensaio é um estudo sobre o nosso “assunto interno”, sobre uma história que foi se desenrolando. Mas, como em toda a minha fotografia, esse assunto é quase confidencial, não está claro, dado, explícito, mas mostrado nas sutilezas que a experiência gerou em mim.

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