Violinista libanesa une referências árabes e ocidentais em disco

Layale Chaker rejeita a cisão entre música erudita ocidental e oriental

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Por Corinna de Fonseca-Wollheim
Atualização:

Layale Chaker, uma jovem violinista nascida em Beirute, capital do Líbano, se movimenta entre dois mundos musicais. No conservatório da cidade natal ela estudou Mozart e Ravel com professores vindos da Europa Oriental. Ela sabia que havia jovens estudado violino árabe na mesma escola, mas os programas eram separados. Certo dia, a caminho de casa, ela foi atraída pelos sons da música libanesa que vinha de rádios em carros e de lojas.

A violinista Layale Chaker, autora do disco 'Inner Rhyme' Foto: HEATHER STEN/THE NEW YORK TIMES

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“Desde o início você tem de escolher seu caminho: ocidental ou árabe”, disse em entrevista Layale, de 28 anos, que hoje vive no bairro do Brooklyn, em Nova York. “Eu jamais questionei essa divisão.”

Mas as dúvidas quanto a isso surgiram mais tarde, quando a violinista seguiu o caminho da música clássica ocidental, tendo estudado em Paris, Londres e na prestigiada Academia do Festival de Lucerna. 

Layale chegou a se apresentar em turnês com a Western-Eastern Divan Orchestra e Daniel Barenboim. “Ela é uma musicista particularmente curiosa”, disse Barenboim, referindo-se a Layale durante uma entrevista. “Tenho uma afeição especial por ela.”  No entanto, sobre esse enfoque ocidental, Layale afirma: “Sempre senti que estava deixando uma parte de mim para trás.”

Nos últimos anos em que viveu em Beirute, Layale encontrou um professor de violino iraquiano, Mohammed Abbas Hashim, que a incentivou a construir as próprias cadências em concertos de obras de Mozart e também as escalas ‘maqam’ árabe (também um técnica de improvisação) como uma “forma de relaxar e aliviar a tensão”, disse. Ela procurou outros mestres de música otomana e árabe.

Em janeiro, Layale lançou o álbum Inner Rhyme, registro impressionante mas com muito rigor que integra as partes distintas da sua identidade como compositora, intérprete e improvisadora, caminhando de mansinho ao largo das diferenças culturais. Em uma apresentação recente no Stone em Manhattan, ela mostrou todas as marcas características dessa música, baseada nas escalas ‘maqam’ do repertório árabe, com improvisações jazzísticas e ecos da ornamentação barroca antiga.

O pianista e compositor Vijay Iyer foi testemunha da gênese de Inner Rhyme num workshop que dirigiu em Bannf, Alberta. “Exploramos rigorosamente os microtons que ela trabalha e tentamos inseri-los no piano. O que surgiu foi algo que, para o meu ouvido, não tem precedentes. Nada que já tivesse ouvido neste planeta. Tem origem nas tradições, mas é de uma sensibilidade experimental real.”

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Iyer apresentou a violinista a alguns músicos estilisticamente poliglotas que se juntaram a ela nesse projeto. O nome do conjunto formado por eles, Sarafand, é o de um vilarejo palestino que se tornou uma cidade fantasma após a fundação do Estado de Israel. Perda e exílio são temas centrais, mesmo que destilados em música instrumental. O ponto de partida de Layale são poemas escritos por autores palestinos, iraquianos e sírios cujas mensagens políticas são sublimadas em metáforas. Ela aproveitou a métrica poética deles e as transformou no esqueleto rítmico da sua música. 

A faixa On the Trunk of an Olive Tree é inspirada nos versos do poeta palestino, e antigo membro do Knesset israelense, Tawfik Ziad, e o imagina talhando sua música numa árvore. A linha melódica do violino fica no registro grave do instrumento, evocando um suave sussurro, quase uma flauta. 

Mais parece um sopro que uma voz nesses poemas sem palavras, embora em outros momentos ela extraia sons encorpados ou delineie arpejos vibrantes enquanto o baixo ou o violoncelo assumem posição central no palco.

Outras composições de Layale incluem trabalhos de forças clássicas tradicionais, como um concerto para violino e um trio de cordas, ambos à maneira ‘maqam’. Nessas peças ela se vale da sua experiência tocando na orquestra West-Eastern Divan de Baremboim. 

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“Qualquer coisa que ele disser eu assino embaixo”, disse a violinista. “A Divan foi minha escola de orquestração. É interessante você ter esta experiência a partir da cadeira numa orquestra – de onde nasce o som.”

Layale Chaker pretende se contrapor aos estereótipos da música árabe no sentido de que se trata de música tradicional e monolítica. “Quando você se refere à “música francesa”, pensa na vanguarda e em Messiaen ou Debussy. Não é a mesma coisa no caso da música árabe. Eu gostaria que isto mudasse. Porque se queremos que a tradição sobreviva ela tem de sair do armário. Para ter uma vida contemporânea e um futuro ela tem de ser questionada.” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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