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Amazônia: quatro novos livros tentam responder por que o homem a destrói

Restam hoje, no mundo, cinco megaflorestas: Amazônia, Congo, Nova Guiné, Alasca/Canadá e Escandinávia/Sibéria

Por André Caramuru Aubert
Atualização:

A tradição brasileira sempre associou a derrubada das matas ao progresso. Quem viaja, hoje, pelo vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio de Janeiro, pode testemunhar as extensas áreas estéreis onde uma outrora exuberante Mata Atlântica foi devastada no século 19 para a produção de café, num processo desnecessariamente destrutivo que esgotou o solo em poucas décadas. O pior é que pouco aprendemos com os erros de nossos antepassados. Nos últimos três anos o Brasil perdeu, em florestas, o equivalente à área do estado do Rio de Janeiro, sendo 59% na Amazônia, onde são derrubadas 18 árvores por segundo (dados do MapBiomas, do Observatório do Clima). Praticamente todas as pessoas no mundo já sofrem, de uma maneira ou de outra, as consequências das mudanças climáticas. E é consenso, na comunidade científica, a relação entre eliminação das matas e aquecimento global (não que o desflorestamento seja a única causa). Mas as questões envolvidas são complexas, e não é tarefa fácil digerir tudo o que a ciência tem produzido. Alguns autores têm se esforçado para traduzir, para o grande público, o grande volume de informações disponíveis. Nesse sentido, destacam-se os recentes Jungle - How Tropical Forests Shaped the World – and Us (Selva – Como as Florestas Tropicais formaram o Mundo – e a Nós), de Patrick Roberts; Ever Green - Saving Big Forests to Save the Planet (Sempre Verde - Salvar as Grandes Florestas para Salvar o Planeta), de John Reid e Thomas Lovejoy; e The Treeline - The Last Forest and the Future of Life on Earth (A Linha das Árvores – A Última Floresta e o Futuro da Vida na Terra), de Ben Rawlence, e Sob os Tempos do Equinócio – Oito Mil Anos de História na Amazônia Central, de Eduardo Neves.

Amazônia em chamas, resgistro tiradoem Apui pelo fotógrafo Uesley Marcelino Foto: Reuters

Os quatro livros são bem escritos, repletos de conteúdo e tão diferentes entre si quanto seus autores, todos eles nomes de peso. Roberts, é ligado à National Geographic e pesquisador do Instituto Max Planck, na Alemanha; Rawlence tem uma extensa atuação com o Human Rights Watch na África subsaariana; Reid, economista e ambientalista, é colaborador frequente de publicações como Scientific American e The New York Times; Lovejoy, íntimo da Amazônia, era referência mundial no terreno das mudanças climáticas (ele finalizou o livro pouco antes de morrer, no fim do ano passado). Neves, professor titular de arqueologia na USP, tem um extenso currículo como professor e pesquisador em inúmeras instituições, incluindo o de professor visitante em Harvard. Dos quatro, Ever Green é o mais abrangente. Viaja pelo planeta inteiro, passa por história e geografia, explica a questão climática, relata os problemas atuais e sugere soluções. Logo no início, por exemplo, ficamos sabendo que vinte novas espécies de macacos foram descobertas na Amazônia brasileira desde o ano 2000, das quais três em 2019. Ou, algumas páginas adiante, que, apesar de haver cerca de 1.300 espécies de pássaros catalogadas na Amazônia, o pesquisador Mario Cohn-Haft já identificou, sozinho, mais de 3.000, ainda à espera de classificação. Não é mal negócio preservar as florestas, escrevem os autores de Ever Green, e não apenas para combater o aquecimento global, mas porque a riquíssima biodiversidade que elas abrigam pode nos trazer benefícios, com gigantesco potencial social e econômico (medicamentos são o exemplo mais comum). 

Antonio Tenharin, lider indigena da Reserva dos Tenharin Foto: Gabriela Biló/Estadão

Explorar a floresta em pé, eles argumentam, citando um estudo da universidade Yale de 1987, pode gerar seis vezes mais lucro do que executar as árvores com motosserras (isso sem falar nas receitas que podem ser geradas com créditos de carbono). Eu me lembro de, há alguns anos, visitando San Diego, na Califórnia, uma cidade cercada por desertos, ter ficado impressionado com a enorme quantidade de startups de biotecnologia que vi, e de ter pensado que aquilo deveria estar acontecendo em Manaus, onde o desenvolvimentismo brasileiro preferiu instalar indústrias de eletrônicos a milhares de quilômetros dos mercados consumidores. A melhor maneira de preservar as florestas é manter os indígenas em suas terras. Na Nova Guiné, por exemplo, 90% das terras preservadas estão em áreas indígenas. Parques nacionais e reservas, como a pioneira Floresta da Tijuca (1861) e Yosemite (1864), nos Estados Unidos, também são boas alternativas: em 1990, 4% da área do planeta eram protegidas; trinta anos depois, esse número cresceu para 17%. Mas é claro que, com governos como o que temos hoje no Brasil, isso é, em boa parte, ficção, como atestam os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Ribeiro. E, para piorar, 50% das áreas de grandes florestas, no mundo, estão fora da proteção legal. A segunda melhor maneira de preservar as florestas é não fazer estradas dentro delas, algo que o ecologista norte-americano Aldo Leopold percebeu já na década de 1920. E construir estradas, cortando a selva para levar o “progresso”, é algo que políticos e militares brasileiros sempre defenderam, desde “governar é construir estradas,” a frase que marcou o governo de Washington Luís (1926-30). As novas estradas na Amazônia têm provocado consequências nada menos que trágicas. 

Criança da aldeia Curicuriari de etnia Tukano à margem do rio Curicur Foto: Jonne Roriz/Agência Estado

Jungle mostra como as florestas tropicais são parte essencial da história da humanidade, e como não faz sentido pretender extirpá-las. Citando descobertas arqueológicas recentes, o autor argumenta que os seres humanos evoluíram nas matas, contestando a ideia de que somos originários das savanas. A mensagem é clara: a floresta de pé pode nos trazer infinitamente mais benefícios do que lenha ou pastagens.  Nossos antepassados evoluíram dentro das florestas, viveram delas (e as modificaram), de modo que nada impede que, munidos dos recursos que a ciência nos dá, voltemos a fazê-lo, com enormes ganhos para nós e para o planeta. Banana, manga, batata, mandioca e cana de açúcar foram inicialmente cultivadas em florestas, e por que você acha que há tantas castanheiras e palmeiras de açaí na Amazônia? Não existe mata virgem, no sentido de intocada pelo homem. As florestas que restaram precisam ser conservadas, mas podem, sim, ser aproveitadas, como o foram no passado. 

Eduardo Neves conta história da Amazônia com olhos de especialista: ele mostra como populações humanas interagiram intensamente com a floresta ao longo dos últimos oito mil anos

É nesse ponto que Sob os Tempos do Equinócio, de Eduardo Neves, se destaca. Ele se volta para a história da Amazônia com olhos de especialista, mostrando como populações humanas interagiram intensamente com a floresta ao longo dos últimos oito mil anos, modificando-a e cultivando-a, sem, no entanto, destruí-la. Por vezes, ao explicar técnicas arqueológicas e discorrer sobre geografia e geologia, Neves é excessivamente técnico, mas o prêmio, para o leitor, é o volume e a profundidade de informações que traz em suas páginas. No fim das contas, se você achava que conhecia a história da Amazônia, leia este livro e descubra o quanto você não sabia (se levarmos em conta a remota ocupação humana de onde hoje fica Manaus, esta seria uma das cidades mais antigas do mundo).Treeline chama a atenção por não priorizar a Amazônia. Sim, não somos os únicos a guardar uma floresta importante. Temos a vantagem da diversidade (pode haver mais espécies de formigas numa única árvore amazônica do que em toda a Grã-Bretanha), mas ficamos atrás no quesito dimensão. Restam hoje, no mundo, cinco megaflorestas: Amazônia, Congo, Nova Guiné, Alasca/Canadá e Escandinávia/Sibéria.  As duas últimas, ao qual o livro se dedica, interligadas, são as maiores em extensão. A parte russa cobre nada menos do que metade da área terrestre daquele país (se você assistiu a Dersu Uzala, o filme de Akira Kurosawa, saberá a que floresta o livro se refere). Assim como a Amazônia, as florestas boreais têm um papel essencial na regulação do clima global, e também estão seriamente ameaçadas. Não pelos nossos madeireiros, pecuaristas ou garimpeiros ilegais, mas por extração de petróleo e pelo aquecimento global: as árvores não estão resistindo, num processo de “limpeza” de consequências devastadoras, como atestam as ondas de calor no atual verão europeu. 

O indio Roberto aos 6 anos (em 2007) tomando banho no Rio Negro após o termino da aula na Aldeia Fonte Boa, de etinia Bare, àmargem do Rio Negro Foto: Jonne Roriz/Agência Estado

As questões relacionadas a como interagir com as florestas são complexas, não têm respostas fáceis, e quanto mais informações de qualidade tivermos para pensar sobre isso, melhor. Jungle, Ever Green,The Treeline e Nos Tempos do Equinócio trazem contribuições importantes. Se precisar escolher apenas um, fique com Ever Green. Mas os quatro dizem algo fundamental: seres humanos e florestas não são entidades apartadas, podem viver juntos e “limpar” o terreno não é, definitivamente, a melhor maneira de lidarmos com as matas. As árvores, dizem os indígenas do Canadá citados em The Treeline, estão chorando. Nós também deveríamos estar. JUGLE 

PATRICK ROBERTS 

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EVER GREEN 

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THE TREELINE 

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SOB OS TEMPOS DO EQUINÓCIO 

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