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Retrospectiva explora obra do fotógrafo Stephen Shore no MoMA

Uma foto de Stephen Shore não vem com cartão de visita estético. O que não significa incoerência e sim, feroz autonomia

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

A mais completa retrospectiva da obra de Stephen Shore, um dos maiores fotógrafo americanos do último meio século, vai ocupar o terceiro andar do Museu de Arte Moderna de Nova York até 28 de maio. Quem não tem o nome de Shore na primeira fila de sua memória de artistas em atividade pode se sentir absolvido pela constatação de que não é possível aprisionar as imagens exibidas de forma cronológica num estilo. Uma foto de Ansel Adams, o popular e ufano cronista da paisagem americana, pode dispensar legenda. Uma foto de Stephen Shore não vem com cartão de visita estético. O que não significa incoerência e sim, feroz autonomia.

Foto de Stephen Shore tirada em 1973 presente na exposição Foto: MoMA

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“Sempre que me encontro copiando a mim mesmo - produzindo fotos cujos problemas já tinha resolvido – eu me dou novas questões para perseguir,”Shore é citado, na abertura da exposição do MoMA. Outra confissão recente do fotógrafo de 70 anos abre uma janela para sua relação física com o meio. Apesar de hoje trabalhar regularmente com uma câmera digital, ele revela que não sai clicando múltiplas imagens de cada vez. Uma só basta, diz Shore, quedirige o Departamento de Fotografia do Bard College, ao norte de Nova York, desde 1982.

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Shore explodiu com precocidade na cena artística de Nova York, nos anos 1960. Ganhou um equipamento de quarto escuro para revelar fotografias aos seis anos, se declarou fotógrafo aos onze e teve três fotos compradas pelo MoMA aos quatorze. O lendário fotógrafo Edward Steichen dirigia o departamento de fotografia do museu e ficou intrigado ao receber uma carta em que o adolescente lhe pedia para mostrar seu trabalho. Aos 23 anos, Shore se tornou o primeiro fotógrafo vivo a ter a obra exposta no Museu Metropolitan de Nova York. Mas àquela altura, já tinha passado anos frequentando a Factory de Andy Warhol, em Manhattan, que fotografou copiosamente em preto e branco. Conhecer Warhol com apenas 17 anos, lembra Shore, que não tinha educação formal artística e chegou a interromper a escola no ensino médio para fotografar nas ruas da cidade, trouxe a descoberta do pensamento estético. “Vi um artista tomando decisões todos os dias,” diz.

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Inquieto com o que considerava sua limitada visão da América e sob a influência de Robert Frank, Shore cruzou o país de carro em 1972, produzindo a série Superfícies Americanas, que só foi publicada em 1999.“Eu queria descascar o artifício da convenção visual, queria me concentrar em como é olhar para as coisas,” ele recorda, sobre a viagem. Durante a década de 1970, Shore liderou o movimento New Color Photography e não há obra fotográfica em cor mais influente do que a de Shore nos Estados Unidos.Apesar de ter sua obra negligenciada por galerias e museus durante os anos 1980 e parte da década seguinte, Shore é apontado como o mais importante renovador da fotografia documental que ocorreu nos anos 1990. 

A América de Shore é representada sem heroísmo. Sua linguagem visual evoca a maestria do cineasta Eduardo Coutinho colhendo palavras de seus entrevistados. “Há um pensamento sem palavras,” diz Shore, "e a imagem pode comprimir o tempo sem traduzir palavras". Como Coutinho, que nos deixou em 2014, Shore se preocupa com o efeito da presença de sua câmera. A falta de artifício ou manipulação exige mais do nosso olhar. Mas Shore conta que, quando alguém do público se dirige a ele dizendo, “gosto das suas imagens, são tão claras,” recebe o comentário como o melhor cumprimento. 

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A precocidade, se, nas palavras do próprio Shore, resultou num “choque para meu sistema”,ao expor tão jovem no Metropolitan, trouxe uma familiaridade única com linguagens diversas como arte pop, conceitualista e minimalista. A paisagem americana para ele tem a poesia do ordinário.Ao contrário de outro célebre artista da foto a cor, o alemão Andreas Gursky, que captura suas vastas paisagens urbanas do alto, Shore se aproxima do objeto visual no mesmo plano. Um exemplo da recusa do romantismo praticado por Ansel Adams é a magistral U.S. 97, South of Klamath Falls, Oregon, de 1973, em que a paisagem é obstruída pela idealização da paisagem num outdoor. O senso de cor é impecável, num período em que a fotografia colorida era associada à publicidade, à iconografia comercial.

Além da carreira de professor universitário, Stephen Shore é um respeitado curador e autor. Seu A Natureza da Fotografia saiu no Brasil em 2014, um livro em que apresenta o meio a iniciantes. Num bate-papo recente com o público britânico, Stephen Shore revelou que seus alunos do Bard College não trabalham com câmeras digitais até o terceiro ano. “Não é possível substituir o que se aprende manipulando filme,” argumenta. Na sala escura, o estudante descobre mais sobre a luz.” Além disso, ele admite, “trabalhar com câmera analógica custa mais caro. E o custo obriga o fotógrafo a pensar mais, o que não é nada mau.”

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